SAUDADES NAUFRAGADAS NO CAIS
A poesia Cais Triste foi escrita para matar minhas saudades daquela Ribeira distante, que se transformou em bairro, debruçada na beira de um cais, povoado de solidão e de tristes despedidas.
CAIS TRISTE
Um afeto que se desfez inexiste
Não pode palavra dar dimensão
Quem poderá descrever solidão
Bisca solta que se prende ao nó
Preso, calo meu canto de ser só
Oh, secura, vinde verde pros meus olhos!
Na tua mais completa exatidão.
Oh, doçura, água ardente vem me matar,
Em tuas forcas cordas de violão.
E exilado, náufrago vive coração
Acalento triste, dura sofreguidão
Cifra verso branco numa nota dó
Sina é morte que sobrevive a pó
Oh, mistura, vida inversa e cantos de esquinas!
Oh, fortuna, fina gardênia exalam tuas meninas!
Tua Ribeira perdeu o veio das minas
Num cais triste quinda muitos fascina
Em água doce, banhos de carências
Resgata alegre, aromas e essências
Mitiga quem se olvida de vida sofrida
E quem não chorou uma vez na vida
Diga lá canto de esquina,
Traz de volta tua menina.
Mar de medo me faz amar.
Autor: José Maria Cavalcanti
Ribeira saudosa, por tuas sendas e vielas, muitos se perderam à procura de abraços.
E houve quem desceu ao teu porto apenas ao encontro das mesmas mãos que dantes ficaram cristalizadas no tempo.
De ti, sóbrios, beberrões e poetas guardam ainda hoje um mundão de saudades!
O Bairro da Ribeira foi por muito tempo o lugar mais badalado de Natal. Do porto desciam marinheiros, passageiros e marujos que ocupavam o Grande Hotel e frequentavam os bares e restaurantes espalhados por suas ruas estreitas. Os cabarés se concentravam no Beco da Quarentena, nome dado ao período do resguardo das mulheres após o parto, pois era lá que os novos papais podiam matar o jejum sexual. A poesia faz reviver a rica e famosa Avenida Duque de Caxias, com seus prédios oficiais, hotéis e casas bancárias; ali também ficava o Largo Dom Bosco, com o Teatro Alberto Maranhão, a rodoviária, o Colégio Salesiano e a estação ferroviária; sem esquecer o prédio do IPASE, com seus elevadores; a exuberante Igreja do Bom Jesus; a Rua Doutor Barata, com suas casas comerciais; a Rua Chile, com seus armazéns ribeirinhos e os clubes de regatas, Sport e Náutico, que promoviam belos espetáculos no Rio Potengi; a Avenida Tavares de Lira com seu atracadouro e o vai e vem de barcos de passageiros; a parada obrigatória no Café do Povo, pois o cheiro da torrefação do Café São Luís invadia todos os recantos, convidando a todos para ser degustado.
Quando cheguei do interior para morar na capital, fui apresentada ao Bairro da Ribeira, ao elevador do prédio do Ipase, Campo de Futebol João Câmara, ao terminal de trens de carga, a rodoviária, o glamoroso teatro Alberto Maranhão, a agência dos correios com exposições filatélicas, ao prédio da Souza Cruz, do Banco do Brasil, do Grande Hotel e da Junta Comercial. O que hoje é antigo, naquela época, para meus olhos, era tudo moderno e fascinante.
A única coisa ruim no Bairro da Ribeira era os alagamentos em períodos chuvosos. Por se situar na parte baixa de Natal, todas as águas pluviais ali se encontravam. O transtorno era grande, pois ficava intransitável e todos os prédios eram obrigados a fechar as portas. Bancos fechados, repartições paralisadas, casamentos e outras cerimônias religiosas canceladas. Lembro que a maior concessionária da Volkswagen ficava impedida de entregar seus carros, visto que ninguém se aventurava a ir pegá-los. Uma imensa obra de engenharia foi realizada e grandes dutos cortaram todas as ruas do bairro. A drenagem veio para resolver definitivamente o problema dos alagamentos, mas já havia começado a migração do comércio para outras áreas da cidade. Hoje, apenas algumas repartições, bancos e casas comerciais ainda insistem em continuar, o que vem mantendo viva a Ribeira glamorosa de épocas passadas.