SAMPA – TERRA DA GAROA
Aniversário da Cidade de São Paulo – 457 Anos
Nesta linda homenagem, Caetano Veloso nos ensina com sua música que a identidade cultural é aquilo que aproxima e une os indivíduos, formando a base para que uma pessoa se sinta pertencente a um grupo social, pois não se obtém isto apenas dividindo um espaço comum ou só praticando atividades no meio em que se está inserido. É preciso mais.
E o mergulho de Caetano na cultura paulistana é intenso, passando pela música, pela poesia, pelos movimentos de vanguarda, pela arquitetura, por questões ambientais, políticas e sociais.
Como a se sentir parte do todo, o poeta, inspirado, compôs Sampa, que não é só uma música, ela é um verdadeiro hino, que foi feito de coração para homenagear a capital desta linda terra. É difícil que alguém diga que não sabe cantar sua melodia, com sua letra que diz muito sobre a experiência de um baiano ao chegar de ônibus em São Paulo.
SAMPA – CAETANO VELOSO
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E a mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
ANÁLISE DA LETRA DA MÚSICA “SAMPA”
Alguma coisa acontece no meu coração
Enquanto Vinicius de Morais provocava os amigos, ao dizer que São Paulo era o túmulo do samba, Caetano iniciou sua linda homenagem à cidade de maior força econômica brasileira, enaltecendo seus mitos e seus símbolos. Ele começou SAMPA fazendo uma paráfrase musical de RONDA, do poeta e compositor Paulo Vanzolini (Ronda, que foi lindamente interpretada por Maria Betânia, irmã do poeta e cantor baiano).
Prova disso é que quando João Gilberto toca Sampa, ele sempre inicia com o último verso da criação inesquecível de Vanzolini: “Cenas de sangue num bar na avenida São João”, que musicalmente casa com perfeição com “Alguma coisa acontece no meu coração”. Durante a música, Caetano retomou esse artifício melódico para deixar claro que não foi uma construção feita por mero acaso…
Que só quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João
E Caetano nem desconfiava que naquele momento, em 1965, estaria imortalizando o mais famoso cruzamento do Brasil: a Ipiranga com a São João. Ali ele desceu, vindo da cidade maravilhosa, cheia de praias, encantos e belezas, apregoados por seu amigo e parceiro Gilberto Gil em Aquele Abraço, antes de seguir para o exílio (nela, Gil homenageia os baianos Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso).
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Ele, que havia se acostumado com o Rio de Janeiro e sua descontração, pisou na selva de concreto, como era conhecida, e ficou chocado com o que via, pois ali não daria para viver “sem lenço e sem documento”, mas teria que acompanhar o ritmo frenético paulistano, com sua diversidade cultural e sua vida noturna encantadora.
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Caetano, numa sacada genial, associa o Movimento Poético do Concretismo com as esquinas de São Paulo, uma clara referência aos poetas paulistas Augusto e Haroldo de Campos. Naquela época ainda não havia o São Paulo Fashion Week, e o Rio é que ditava a moda, embora a endumentária de um dos pais do Tropicalismo fosse de uma extravagência sem medidas, o que atraía risinhos discretos daquelas meninas que passavam bem perto dele. Meninas que não eram bem o estereótico da Garota de Ipanema (composição de Vinicius de Moraes de 1962), que quando caminhava, cheia de graça, gingava num doce balanço a caminho do mar e não a caminho do trabalho, como era o caso das paulistanas, em suas roupas de escritório.
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
No afã de ressaltar os valores da terra da garoa, o poeta apresenta para o Brasil aquela que ainda não era tão badalada, mas que logo se consagraria como a rainha do rock, a cantora e compositora Rita Lee, líder da banda Os Mutantes (em companhia de Arnaldo Baptista e Sérgio Dias). Com o tempo, como a vaticinar a profecia de Caetano, a roqueira foi considerada a maior tradução daquilo que é São Paulo.
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
Há muitas rivalidades entre o Rio e São Paulo, mas, deixando o bairrismo de lado, e toda a violência, o Rio de Janeiro continua lindo. Sempre foi e dificilmente deixará de sê-lo. Com tantas imagens dos recortes mágicos daquele belíssimo litoral, o baiano se assustou com tantos prédios e tanta modernidade de suas linhas arquitetônicas.
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E a mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
E o lado narcisista de Caetano aflorou, pois ali não enxergou a beleza que nele refletia, através do seu espelho interior. Tudo que vem de encontro ao que você pensa e de como vê o mundo, choca, causando impactos, deixando a sensação de expectativa frustada. Ele desejaria ser mutante para rapidamente transformar o impacto primeiro e o pavor causado em sua mente.
E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
São Paulo é assim: você se assusta no começo, mas depois se apaixona e não consegue mais sair de suas entranhas. Caetano, que vinha de um sonho “feliz cidade”, isto é, de um sonho chamado felicidade, aprendeu depressa que aquele novo mundo era a própria realidade. Não um viver de ficção, mas a cara de um Brasil que luta para tornar esta nação maior.
Porque São Paulo é o próprio avesso de outras realidades brasileiras. Na letra, ao falar do “avesso”, na verdade Caetano dialoga com o poeta paulista Décio Pignatari, que fundou com Augusto e Haroldo de Campos o movimento estético do Concretismo, que punha ênfase no avesso das formas e brincava com a estética dos versos e das palavras.
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Como megalópolis, São Paulo vive formando filas, para pôr ordem na casa, senão tudo se transforma em caos urbano. O paulistano adora suas “vilas”, que são os chamados bairros em outras capitais. A própria capital paulista se chamava Vila de São Paulo, da mesma forma hoje muitos “points” se encontram nas suas famosas vilas, espalhadas nas áreas nobres e também nas menos favorecidas. Como o Rio de Janeiro, São Paulo também possui suas favelas, onde vivem aqueles de menor renda aquisitiva, mas que abrigam a mão de obra que move a maior economia da América do Sul. Tudo isso não passou despercebido por Caetano Veloso, que descreveu em pormenores sua musa, que não dista daquilo que ela é ainda hoje.
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
O crescimento sustentável é o sonho dos ambientalistas e crescer sem causar impactos é uma meta a ser alcançada por aqueles empresários que não apenas desejam o enriquecimento, mas buscam também a manutenção do ecossistema existente em suas áreas de atuação, procurando manter as coisas belas, sem destruir completamente a natureza. Aqui a gente percebe já naquela época a preocupação de Caetano com as causas ambientais.
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Para Caetano, apagar as estrelas com a fuligem da fumaça é como roubar do poeta sua fonte de inspiração.
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Mais uma referência aos poetas e irmãos Augusto e Haroldo de Campos, construtores de versos poéticos que brincavam com os espaços, sem a preocupação da rima ou da musicalidade, mas sim da forma.
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Uma clara homenagem ao teatro paulistano que fazia “Oficinas de Florestas” nas mãos do diretor José Celso Martinez Corrêa. Já “deuses da chuva” é uma referência clara à obra do seu amigo e poeta Jorge Mautner, que escreveu “Deuses da Chuva e da Morte” (Editora Martins – 1962).
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
Aqui no final, o poeta enaltece os Novos Baianos, que era composto, entre outros, por Moraes Moreira, Pepeu Gomes de Baby. Usa o nome do grupo para se referir a todos aqueles que vêm para São Paulo em busca de melhores oportunidades de vida.
São Paulo é um misto de raças, de nacionalidade e de culturas. Um “pan” (conjunto, reunião) das pessoas que vêm do Sul e do Norte e de todo lugar, como também dos países vizinhos, em busca de sonhos utópicos que muitas vezes são obrigados a sepultá-los frente à dura realidade. E aquilo que parecia sonho se torna uma prisão, um “novo quilombo de Zumbi”, fazendo-os prisioneiros, vivendo atrelados aos grilhões em filas, vilas e favelas.
Autor: José Maria Cavalcanti
Justa homenagem a bela e envolvente Sampa.
Linda homenagem à maior cidade do país. A análise da letra da
música Sampa faz com que amemos cada vez mais essa linda e
encantadora cidade.
Parabéns pela análise.
Belíssima homenagem a nossa Terra da Garoa, e que inspiração tremenda teve Caetano Veloso quando fez a letra dessa música.
Caetano não só nos presenteou com sua música, fazendo uma bela
homenagem a nossa terra, enalteceu também os grandes valores de
São Paulo.
Vinicius foi infeliz quando provocou Johnny Alf a voltar para o
Rio de Janeiro, mas ele tinha crédito, pois já havia feito “Dobrado
de Amor a São Paulo, por ocasião do quarto centenário.
O engraçado é que a letra de Vinicius também acaba na São João.
Amanda.
“Alguma coisa acontece no meu coração”… e quem fica indiferente aos encantos das noites paulistanas. Sampa de dia é concreto, trânsito e multidão, mas à noite as formas rígidas ganham curvas, as pessoas correm para os bares e restaurantes, e esquecem do tempo, embriagados pela boa música e pelas boas conversas, tudo é contagiante.
Caetano traduziu melhor toda essa loucura que sentimos por São Paulo, a terra da garoa.
Alice
Aproveitando o aniversário de São Paulo, hoje, dia 25/01, marca o fim das sacolas plásticas nos surpermercados.
E quem quiser curtir poesias deve ir a Casa das Rosas: Sarau Poético “Sampoemas”.
Na Biblioteca Mário de Andradre Exposições e Apresentações de Jazz. No Pateo do Collegio haverá Palestras e Debates – Tema São Paulo do Futuro, além de show com a Banda Tulipa Ruiz.
Pela manhã haverá corrida e a noite show com os Paralamas do Sucesso. Também Forrópoeira no Centro de Tradições Nordestinas – CTN e também grátis o show de Ney Matogrosso na Praça da República.
Valeu, Sampa, 458 ANOS!
Que bonito lembrar do aniversário dessa cidade tão cobiçada por muitos.
Parabéns São Paulo !
Gostaria de estar lá para poder ir na Casa das Rosas (já conheço por fora) que possui lindíssimas roseiras e me lembra minha mãe que era amante dessa linda flor.
Acostumados com as sacolas plásticas nos supermercados, com certeza no inicio iremos estranhar a falta delas, mas logo estaremos contribuindo com o nosso planeta que tanto necessita de nossa ajuda não só com essa atitude mas muitas outras necessárias para um futuro melhor.
Parabéns São Paulo!!! Estive pela primeira vez nessa metrópole com apenas 18 anos, estava lá para fazer um treinamento de vendas e fiquei admirado com tudo. Foi lá que percebi que os serviços públicos são realizados à noite e achei uma ideia maravilhosa, pois evita mais congestionamento no trânsito. Vi que o paulistano gosta de tomar um drinque antes de ir para casa e as casas noturnas estão sempre cheias. Fui ao McDonald e saboriei os sanduíches maravilhosos de lá e aprendi a apreciar as massas dos restaurantes italianos. Achava legal quando chegava e logo o garçom nos oferecia o vinho da casa. Isso tudo há mais de trinta anos e me serviu de ensinamento até hoje, mas o que mais admirei em São Paulo foi a questão de cada pessoa tem algo a fazer, não via gente parada sem um compromisso por realizar. Terra do trabalho e do bom viver para quem sabe apreciar as noites paulistanas.