Cantão da Esquina do Mundo
GRANDE PONTO
FILIPE MAMEDE · Natal, RN
Toda cidade que se preze tem uma rua, uma praça, um largo ou uma esquina onde a patuléia se reúne para conversar “miolo de pote”. Fosse na Ágora em Esparta, na Acrópole em Atenas ou no Capitólio em Roma, a falação era uma só. Também por estas terras muitos são os cantões que nasceram para o falacioso propósito. Em Curitiba, a famosa Boca Maldita, reduto de toda sorte de gente: juízes togados e de futebol, médicos consagrados e os anônimos “Zé Povinho”. A Boca Maldita ficou famosa quando, só falando mal, derrubou o governo de Leon Peres…
Rumamos um pouco mais em busca do sul maravilha e chegamos ao Largo do Medeiros em Porto Alegre. O lugar virou ponto “coloquial” desde a revolução entre chimangos e maragatos. Enfrentou vários governos e algumas ditaduras gaúchas e federais. Mas está lá. Resistiu… Cruzando de uma ponta a outra do mapa e voilá ! Aportamos no Grande Ponto, verdadeira instituição do povo natalense.
Era uma vez…
O cantão do Grande Ponto ganhou vida quando, lá pelos idos da década de 20, o português Custódio de Almeida inaugurou o Café Grande Ponto, ali no cruzamento da avenida Rio Branco com a rua João Pessoa. “Mercearia afreguesada, com algumas mesas para se tomar cerveja; no salão ao lado, dois bilhares utilizados pelos devotos do divertimento”. (Câmara Cascudo – com a devida citação)
Algum tempo depois o Café Grande Ponto fechou as portas. Mas o nome passou a ser a denominação daquela encruzilhada. Ali cruzavam todos os bondes elétricos, único transporte coletivo existente á época. Era o ponto inicial para os bairros de Petrópolis e Tirol. Havia também a linha circular, que ia e voltava do bairro da Ribeira.
Além do café e dos bondes, mesmo em diferentes épocas, em cada esquina daquele cruzamento existia uma edificação marcante. De um lado o Café Avenida, local de encontro e “onde se tomava um bom caldo de cana”. Do outro, o lugar onde jet-set da cidade se reunia; o Natal Clube. Anos mais tarde, a Confeitaria Helvética, o cinema Rex, o Café Maia, a Sorveteria Cruzeiro. O Caldo de Cana do Raimundo, a Loja Seta, que algumas primaveras depois Nevaldo Rocha transformaria no que hoje são as lojas Riachuelo. O termo ainda não existia, mas o happy-hour ganhava um endereço eterno.
Um verdadeiro púlpito a céu aberto, o Grande Ponto era um catalisador, um chamariz. Comerciantes, profissionais liberais, desembargadores, professores, poetas e artistas. Existiam grupos para conversas de todos os tipos e calões: futebol, política, religião e até safadeza.
Durante a II Grande Guerra a “esquina do mundo”, como apelidou Djalma Maranhão, prefeito de Natal na década de 60, começou a funcionar o “Serviço de Alto Falante”. Todos os dias, às sete da noite, o Serviço transmitia músicas e, às nove horas, retransmitia o noticiário da BBC de Londres. O número de “grandepontenses” crescia de maneira acelerada…
É por essas e outras que aquele cantão não se extinguia. “Ali, a democracia participativa criava raízes”, pois a discussão era permanente. A falação resolvia todos os problemas, fossem eles, nacionais ou importados. Como dizem os versos do poeta Celso da Silveira, o Grande Ponto era “centro referencial de política e cultura, de oposição e governo; a palavra ali falada no palanque dos comícios, ganharam tal ressonância, que nos seus cantos ecoam”.
O ponto dos grandes homens
Naquela encruzilhada o mestre Câmara Cascudo comandava o papo com certa soberba. Sempre de posse do seu charuto Suerdiek, do tipo puro baiano ou Corona Priveé, falava dos compassos flutuantes da política, da cultura e do folclore. Outro célebre habitué do Grande Ponto era Djalma Maranhão. “Plural e dionísico, sentimental e romântico, vivia permanentemente em contato com todas as classes”. Como dizia o poeta paraibano José Condé, o então prefeito, “transformou Natal numa verdadeira Passárgada cultural”. Grande Ponto de carnavais, dos autos folclóricos e das manifestações políticas.
Ex-presidente da Federação Norte-rio-grandense de Futebol, o desportista e conversador João Cláudio Machado junto com seu grupo de noctívagos varavam as madrugadas em falácias intermináveis. Era o “reitor” naquela “universidade” chamada Grande Ponto. Por ali passaram grandes figuras, a maioria, atualmente, é nome de rua, escola e até estádio de futebol como o Machadão. O Grande Ponto é chão de luta e também história de amor a terra. Hoje é tema de livro, de tese de mestrado e, sobretudo, objeto da saudade daqueles que frequentaram o mais famoso cantão da cidade.
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Hoje, com a revolução provocada pelas Redes Socias nos meios de comunicação, não adiante buscar nem recriar “Grandes Pontos”, isso já não funciona. As pessoas de um modo geral se encontram virtualmente. O Facebook e o Twiter lideram o ranking de toda informação rápida que circula pelo mundo, em apenas um piscar de olhos. E cada internauta nem precisa sair do conforto do seu lar para interagir com quem quer que seja na sua cidade ou em qualquer outra parte do mundo.
Não só se obtém pequenas ajudas ou assessorias em vários ramos do conhecimento, as faculdades à distância se multiplicam com milhares de adeptos. A Internet é uma verdadeira vitrine para se divulgar produtos e serviços, fazer compras coletivas mais baratas, além de ser um meio excelente para publicação de trabalhos culturais.
Pela rede mundial, você acha parcerias para escrever e publicar seus trabalhos, e tudo fica mais econômico e fácil.
Múltiplas formas de entretenimento também acharam o meio mais adequado para sua expansão.
Com certeza Câmara Cascudo ou Djalma Maranhão diriam: “Nada como olhar nos olhos da pessoa com quem falamos” ou “É indispensável estar frente a frente, abaixo o virtual!”.
Outros mais precavidos sairiam na defesa da modernidade em nome da segurança. Todos sabem que não dá mais pra ficar até altas horas curtindo um gostoso bate-papo sem ser importunado por algum bandido.
Visitando a centenária Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, você faz uma verdadeira viagem no tempo, principalmente ao entrar no pequeno museu que conta toda a bela história daquele café mais tradicional da vida social do carioca. Como o Grande Ponto, por ali passaram todas as figuras famosas que fizeram acontecer os fatos mais importantes da antiga capital do Brasil.
Mesmo tendo sido preservada toda a arquitetura e mobília de sua época de ouro , o local é hoje um ponto turístico importante, mas já não reúne mais as celebridades do passado.
Autor José Maria Cavalcanti
O poeta popular Zé Areia espalhou no Grande Ponto, que um dos homens mais influentes e rico da cidade estava lhe devendo. Indignado, Valério foi ao encontro de Zé.
– Que história é essa que eu estou lhe devendo Zé?
– Fique calmo, pense direitinho que o senhor está.
– Lembra daquele dia que lhe pedi emprestado cem cruzeiros e o senhor só me deu cinquenta?
– Então! O senhor me deve os outros cinquenta.
Não se contendo de ter caído naquela “pegadinha”, Valério só teve uma alternativa: chamou o amigo, depois de ter pago a outra parte do empréstimo, para esclarecer o assunto.
Algumas décadas depois, foi instalada a loja “4 em 400”, Lojas Brasileiras, e o local passou a ser frequentado também pelas donas de casas. Com o crescimento, o centro da cidade foi ficando cada vez mais periférico e, vislumbrando as mudanças, o dono das Lojas Setas montou o maior shopping do estado, no atual centro de Natal.
Seja uma banca de revistas, um bar, com mesa de sinuca ou música ao vivo, ou simplesmente debaixo de uma frondosa árvore é sempre bom termos uma opção para um bom bate papo. Geralmente nesses locais o tempo voa, pois, acima de qualquer outra coisa, somos sempre o centro das atenções. Nada melhor do que conversar, sem formalidades, com os amigos e tomar alguns drinques. Próximo a minha casa existe o “Vira-Copos”, onde, aos domingos e feriados, se reúnem os vizinhos para disputar “peladas” que acabam geralmente em cervejadas. Penso que todo mundo tem que ter um lugar assim para descontrair.
Naquelas mesas do café, nasceram poesias, e contos, e histórias, e discursos, e muitas articulações políticas. Sem contar que dali surgiram envolvimentos que duraram toda uma vida. Pessoas famososa da vida natalense e potiguar passaram por ali, tais como: Berilo Wanderley, Newton Navarro, João Cláudio de Vasconcelos Machado, Djalma Maranhão, Edgar Barbosa, Luís da Câmara Cascudo, Luís Carlos Guimarães, Zila Mamede, Maria Oliveira de Barros, Ferreira Itajubá
Othoniel Meneses, Lourival Açucena, Jorge Fernandes e muitos outros.
Não dá pra falar da história do RN e de Natal sem passar pelo Grande Ponto, um verdadeiro fomentador de ideias.
Inácio
A história do Grande Ponto de Natal me faz recordar a pequena Mangaratiba/RJ, onde eu morava com meus tios, que eram proprietários do Hotel Rio Branco, bem na pracinha do centro da cidade.
Naquela época, na década de 70, era difícil alguém ter televisão, e assim o grande salão do hotel ficava recheado de pessoas que queriam acompanhar o noticiário e também as novelas da TV. Como também havia gerador, quando faltava energia, mesmo quem tinha mais condições corria lá pra casa para não perder o capítulo da primeira versão de Mulheres de Areia (1973), com Carlos Zara e Eva Vilma.
Ali também era ponto de encontro para almoços festivos, encontro de velhos amigos e também do já conhecido carteado do final de semana.
Vinha o prefeito, o dono da loja de tecidos e alguns outros figurões.
Até hoje não sei o que movia o entretenimento. Creio que o prazer das companhias não eram menores que o de saborear os petiscos que fazia Almerinda, nossa encarregada da cozinha e também uma espécie de mãe de criação.
Bons tempos que não voltam mais.
Marta
Como fala o texto, em minha cidade também não era diferente e existia o nosso Grande Ponto. A Praça de Nossa Senhora da Conceição, padroeira, era bem distante de nossa casa, mas não tinha importância, pois tudo ficava próximo com a certeza de encontrar naquele lugar a maior concentração de amigos. Havia vários grupos diferenciados pela idade e o que é mais curioso era que, à medida em que nós íamos crescendo, substituíamos o grupo de adolescentes com seus paqueras e o de moças com seus namorados. Parecia tudo combinado, e o ciclo nunca terminava. Quando vim morar em Natal, aquela praça era a minha maior recordação e o motivo de muitas saudades. Voltei recentemente à cidade, Macau, em época de carnaval e, para surpresa minha, ainda se mantinha a tradição de o local ser o palco para as velhas marchas de carnaval. Passei os quatros dias matando a saudade de uma época gostosa, e, entre confetes e serpentinas, me via repetindo as brincadeiras de épocas passadas.
Ah! Que gostoso relembrar.
” Grande Ponto” me transportou para a Avenida Beira Rio em Paraibuna. O encontro das turminhas após a missa das 19:00 horas aos finais de semana.
Minha turma era chamada de ” Amém Jesus” kkk…porque não saíamos da igreja. Sempre querendo ajudar nas pastorais. Mais assim que terminavamos as atividades, lá íamos para a Avenida, onde havia uma lanchonete Xuxu, a mais badalada da cidade e por visitantes de fora. Ali sim jogávamos conversa fora, nem sentíamos o tempo passar. Ainda hoje existe, mais claro tempos diferentes.
Fiquei saudosa também da Avenida Afonso Pena em Campo Grande-MS(Cidade Morena).
Que coisa mais gostosa nas tardes de domingo ir para lá, caminhar, tomar água de coco. Muita gente reunida. Uma vista linda.
Quando estive lá, isso em 2004 sentei-me a beira da calçada e contemplava o Parque que avistava do outro lado. Senti algo tão gostoso. Uma mistura de melancolia junto.
Foi em uma fase delicada de minha vida.
Quero poder voltar lá e fazer a mesma coisa. Sentar, tomar uma água de coco. Poderei relembrar e dizer…Quanta coisa passei e eis-me aqui com espírito renovado e de muitas vitórias.
Obrigada mais uma vez por provocar lembranças Cavalcanti.
Bjs!