Câmara Cascudo e Newton Navarro
A Mulher Que Vira Peixe
Desci, puxado pela mão, nas proximidades do Grande Ponto, local onde outrora cruzavam os bondinhos elétricos – um nostálgico meio de locomoção dos natalenses.
Ali parecia que todos combinavam pra descer, não é à toa que na Rio Branco até hoje ainda bate o coração da cidade.
Numa das mesas do café, o famoso Câmara Cascudo, que havia acabado de entrar na casa dos setenta anos, gesticulava ao lado de Newton Navarro – trinta anos mais novo que o historiador -, apontando para uma tela do artista, pendurada na parede do ponto de encontro da sociedade potiguar.
Havíamos acabado de chegar de Santa Cruz e fomos fazer o desjejum na cafeteria preferida do meu pai. Ele pediu uma média com pão na chapa e ovos mexidos, e eu, com apenas oito anos, sem um querer definido, pedi o mesmo.
Alguns políticos, com seus jornais abertos, Diário de Natal e Tribuna do Norte, saboreavam torradas com queijo, acompanhadas com o café São Luís. Naquela verdadeira praça partidária, discutiam sobre a modernização dos transportes públicos. Debatiam se o Prefeito Agnelo Alves não teria concedido monopólio à Empresa Guanabara para explorar sozinha a linha 100 (da Ribeira até as Quintas).
Entre tantas falas, escutei, por curiosidade, quando o pintor falava de uma estranha conversa sobre uma “mulher que vira peixe”. Fiquei pensando em algum número de mágica ou quem sabe fosse algo para mexer com o amigo, talvez para tentar convencê-lo a pôr mais um item no Dicionário do Folclore Brasileiro. E, com seriedade na fala, Navarro atiçava a curiosidade do folclorista, pois ele sabia de sua fama investigativa, quando se tratava de colher a fundo todas as informações possíveis sobre uma manifestação popular.
Enquanto eu comia, ficava com os meus botões tentando visualizar uma mulher no formato de um peixe ou coisa do gênero. Viajei naquela ideia que quase atrasei meu pai para sua reunião de serviço, na Rua Chile, bairro da Ribeira.
A reunião tomou toda a manhã e, enquanto meu pai decidia alguns rumos das linhas telegráficas do estado, fiquei esperando por ele entre os barcos de competição do Clube de Remo, ali na mesma rua. Após aquele encontro de trabalho, meu pai disse que tinha fome, mas teríamos que aguardar pelo menos meia hora mais, pois íamos almoçar no tradicional Mercado da Redinha.
Fomos caminhando pela área portuária até chegarmos ao trapiche e ali pegamos um barco grande de passageiros. Aquela viagem se transformou numa verdadeira aventura. Acho que foi um dos melhores presentes que ganhei. Tudo era novo e diferente. E navegar sobre as águas do Potengi era bem diferente que apenas nadar no Inharé.
Depois de a embarcação aportar, percebi que a Redinha estava comemorando a Festa do Caju. Havia música, parque de diversão com roda gigante, vendedores ambulantes e um locutor que anunciava as gincanas. Havia concurso com premiação para o maior e o menor caju e para a maior e a menor castanha, dentre outros. Depois houve corrida de saco e a subida no pau de sebo. Foi anunciado um forró para a parte noturna, e tudo era muito organizado e animado.
Após passar pelo meio da multidão, chegamos ao mercado. A clientela já buscava se acomodar nos banquinhos de madeira para saborear o petisco mais consumido da Redinha: ginga com tapioca.
Enquanto a porção não chegava, a gente podia apreciar o fritar dos peixinhos no óleo de dendê ou no óleo comum. Para tapear a fome, eu respirava o cheirinho gostoso que subia às narinas. Enquanto isso, algo me chamou a atenção: a risada gostosa que Newton Navarro dava ao ver a expressão de espanto no rosto de seu amigo, Câmara Cascudo.
– Luís, disso eu falava pra você. Esta é a “mulher que vira peixe”!
Ele falava ao mesmo tempo que apontava para dona Dilu, que não perdia tempo por estar atarefada e de olho nas frituras do tacho.
O folclorista, desconcertado, não podia fazer outra coisa senão rir também. Aquela foi a fórmula encontrada pelo pintor para atrair Cascudo para seu habitat. Era ali que Newton passava horas pintando seus famosos quadros e não dispensava nunca comer vários trios de gingas que vinham transpassadas por palitos de folha de coqueiro.
Eu também não pude deixar de rir, pois finalmente compreendi o que queria dizer com a “mulher que vira peixe”. Ali, diante de mim, dona Vanda virava de um lado pra outro os pescados na frigideira, preparando-os para levá-los para mais um apreciador da porção. Meu pai e eu nos fartamos de comer o petisco mais típico da Redinha e depois fomos a um restaurante comer um pirão de peixe.
Retornamos com o visual incrível do sol poente, tendo como companhia os ilustres norte-riograndeses no mesmo barco. E, por volta das seis horas, pegamos o Jardinense e regressamos para Santa Cruz.
Autor José Maria Cavalcanti
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Luís da Câmara Cascudo nasceu em Natal, no dia 30 de dezembro de 1898 e faleceu na mesma cidade, no dia 30 de julho de 1986. Foi um historiador, antropólogo, advogado e jornalista brasileiro.
Newton Navarro Bilro nasceu em Natal, no dia 8 de outubro de 1928 e faleceu em 1992. Foi um dramaturgo, poeta, desenhista e pintor brasileiro.
Em suas pinturas e obras, retratava principalmente o bairro da Redinha e o Bairro Ribeira/Santos Reis, o Rio Potengi e os pescadores.
As praias são o maior cartão postal de Natal. Nelas estão os mais badalados pontos turísticos: morro do careca, maior cajueiro, forte dos Reis Magos, farol de mãe Luísa e a ponte estaiada Newton Navarro. A “ponte de todos”, como é conhecida, une a zona leste com a zona norte da capital. Não sou rico, contudo moro na praia, precisamente, na da Redinha e me orgulhei em ler esse belo texto. A festa do caju, fruto abundante na região, era realizada nos festejos religiosos de Nossa Senhora dos Navegantes, padroeira do lugarejo. Do atracadouro da Tavares de Lira, bairro da Ribeira, partia o “Pindaré”, que foi o último barco a fazer a travessia do Rio Potengi, transportando passageiros, antes da instalação das balsas, que também foram desativadas com a inauguração da bela ponte. No Mercado da Redinha, existem duas alas de comércio de frutos do mar, in natura, onde vendem os produtos recém-pescados e o de degustação, com toda sua rica culinária. Como atração, temos o lindo visual do encontro do rio e o mar, a igreja e o clube social, construídos em pedras aparentes, retiradas dos arrecifes e a famosa ginga com tapioca. O pequeno peixe, antes usado como isca, tornou-se num ótimo recheio para as saborosas tapiocas, feitas da mistura da goma da farinha de mandioca e coco seco ralado. Antigamente, aos domingos, se podia saborear a iguaria, apreciando-se as disputas de barcos entre os clubes de regatas, instalados na margem oposta do rio, que banha Natal.
Primeiro as canoas, barcos a vela, barcos a motor, balsas e agora a moderna ponte, seja de que modo for, é muito bom atravessar o Rio Potengi para curtir um dia todo apreciando as belezas naturais e saboreando o camarão, a lagosta ou ostras cruas com azeite, sal e limão, tudo acompanhado com a deliciosa combinação de ginga com tapioca.
Parabéns Natal! parabéns Redinha!
Na Praia da Redinha tem carnaval de rua, com bandas de sopro, fogueiras em frente as casas no período junino, tem barcos de pesca com seus arrastões de rede e uma vida noturna animada por bares, com seus shows musicais, ao vivo. A religiosidade é o ponto forte da população e eles realizam, no mês de janeiro, a festa da padroeira, Nossa Senhora dos Navegantes, que se inicia e termina com uma bela procissão de barcos de pesca. No dia de hoje, 21/11, è o dia de Nossa Senhora da Apresentação, padroeira de Natal, é daqui que sai o cortejo da santa, que passeia, de barco, pelo Rio Potengi abençoando nossa cidade, culminando com uma grande cerimônia religiosa na Pedra do Rosário, do outro lado do rio. Em Natal, os visitantes não podem deixar de saborear o prato típico da praia: ginga com tapioca, mas também sentir o calor desse povo carismático e acolhedor.
Rosalba Ciarlini enfatizou a importância de Cascudo para a cultura nacional. “Luis da Câmara Cascudo, sendo potiguar de nascimento, contribuiu com uma obra intelectual que pertence a todos os brasileiros”, disse a governadora do RN, reforçando a abrangência da obra do escritor e folclorista.
“O respeito que conquistou transcende os limites geográficos que ele mesmo tentou fixar para a sua obra, declarando-se, modestamente, como um provinciano incurável”.
Rosalba Escóssia Ciarlini Rosado (discurso de homenagem a Câmara Cascudo no Congresso Nacional).
Lendo a poesia “Redinha do Amor”, na página de poesias desse blog, onde o autor declara todo seu carinho por esse pedaço de litoral, dizendo: …Redinha, praia do amor…, é que vejo o quanto ela encanta. Por muito tempo, a Praia da Redinha se mostrava distante, já que seu acesso só era possível com a travessia de barcos ou com várias horas de viagem, por caminhos tortuosos, entre cajueiros e em carro 4×4. Era vista como uma ilha, por isso, virou um pequeno povoado com vida própria. Realmente a ginga com tapioca é o prato que melhor caracteriza a culinária da bela praia.
Conhecer seu blog e ler seu texto que faz homenagem a dois expoentes de nossa cultura muito me alegra. Câmara Cascudo, um talento incontestável, e Newton Navarro, artista falecido em 1992, que teve seu nome dado para a ponte que tem a maior importância para o povo potiguar. Justiça feita porque suas obras literárias, seus desenhos e suas pinturas tinham como tema quase constante: o Rio Potengi e as paisagens da Redinha.
Este amor de Newton pela famosa praia se deu desde menino, quando desfrutava das férias da escola na casa dos familiares na Redinha.
Lúcio
Navegar sempre é preciso!
Parabéns!
Mario Carlos
Se a viúva do artista, Salete Navarro, estivesse viva, ficaria imensamente feliz com a homenagem do povo potiguar ao seu falecido marido.
É realmente um feliz reconhecimento a quem fez tanto pelas coisas de sua terra. Uma das iniciativas foi a criação da escola infantil de artes plásticas Cândido Portinari. Newton Navarro também foi o introdutor da arte moderna no Rio Grande do Norte e colaborou para a literatura. Ele foi um grande orador e incentivou outros artistas que o procuravam.
Obs.: a viúva faleceu em 20 de outubro de 2007.
Elói
Linda e interessante história.
Como é gostoso ler essas histórias que foram vividas na infância, uma delicia.
Lendo os comentários também se aprende sobre as curiosidades da Praia da Redinha.
Para não dizer que só falei de Newton Navarro, compartilho um vídeo do Youtube sobre Luís da Câmara Cascudo.
É dele a frase: “Se eu pedisse a meu pai, ele me daria a costelação da ursa maior”.
Lúcio
A Redinha sempre foi minha atração maior. Talvez por ter passado minha infância no outro lado da margem, contemplando-a. Pois o bairro que fui nativo ficava a uma distância de 1km, numa atravessia do rio Potengi em uma diagonal. Hoje temos a ponte que interliga estas duas comunidades, que recebeu o nome de ponte Newton Navarro.
Na minha adolescência, meu primeiro empreendimento foi comprar uma canoa de 5 metros de comprimento movida à remo. A travessia para a Redinha era meu hobby predileto, junto com meus irmãos e amigos próximos. Edite chegou a fazer parte destes passeios, na década de 70. Quando a maré estava em vazante, não precisava nem remar, pois a correnteza do rio Potengi nos levava, de cortesia à Redinha e, quando estava de enchente, nos trazia de volta sem muito esforço.
Na época de faculdade, eu comtenplava novamente a Redinha de uma vista panorâmica, do alto do Hospital das Clínicas ou do restaurante universitário, que ficavam no bairro de Petrópolis.
Depois de formado em Medicina e de casado, resolvi construir minha casa de veraneio nesta praia que muito fez parte da minha infância, adolescência, vida universitária e vida conjugal. Depois com esposa e filhas, resolvi satisfazer minha vontade de morar e veranear naquela praia que sempre fez parte da minha história.
Lembrando o maior folclorista do Brasil, Câmara Cascudo, ele diz: “Se você quer conhecer o que é uma feira, não leia sobre a feira, vá à feira”.