Um Amigo Invisível
O MISTÉRIO DO FUNDO DO QUINTAL
O que eu descobri naquele matagal que cobria o terreno baldio da minha casa era que ali havia algo mais que velhos sofás, bicicletas enferrujadas e caixas cheias de sapatos desgastados pelo tempo.
Tudo aconteceu quando um dia me vi sozinho, depois que meu pai e minha mãe saíram para trabalhar. Era a parte da tarde daquele dia, e eu tinha acabado de almoçar, pois minha mãe sempre deixava minha comida no forninho, bastando apenas dar uma esquentada, e tudo ficava uma delícia.
Estava com a barriga já cheiinha e não sentia vontade de fazer as tarefas escolares naquele momento, apenas queria brincar um pouco. Então peguei minha bola e a coloquei na marca que eu fiz no chão de terra. Dali eu sempre chutava a bola para passar no arco formado pelo varal que ficava no meio do terreno, ao lado da horta.
Ainda não havia tirado meu poderoso conga azul do meu pé, depois de voltar da escola. Com a bola na marca, afastei-me o suficiente para dar meu chute certeiro. Aprendi a bater no meio da bola para ela não subir muito e assim não voar para os terrenos dos vizinhos.
Sabia que a bola nunca poderia cair na casa de dona Filó, pois ela era terrível e sempre cortava a borracha e arremessava de volta prá gente, talvez para mostrar seu poder. Sabendo disso, após perder a mais linda bola que havia ganhado de presente de aniversário, nunca mais bati em baixo da bola com a mesma força. Era certo que, tocando forte em baixo, a pelota subia muito, indo parar nas mãos daquela mulher sem coração. Acho que ela fazia aquilo por não ter filhos ou talvez com raiva por nunca ter casado.
Finalmente soltei meu canhão à baixa altura, e a bola passou veloz bem no meio do arco, indo parar no meio das caixas de sapatos velhos. Ir buscar a bola lá no fundo do quintal era a pior parte. Quando me preparava para correr, eis que de repente vejo a bola voltando, rasteirinha, como se eu estivesse treinando com o Gustavo, nosso goleiro.
Fiquei assustado e até pensei se tratar de alguma brincadeira do Guto, mas estiquei o olho e depois me abaixei e não vi ninguém. Pensei: “O que estaria acontecendo? Quem jogou a bola de volta para mim?” Foram duas perguntas que não saiam da minha cabeça.
Pensei em acabar com a brincadeira e ir para dentro de casa. Fechando a porta, nada me aconteceria. Mas não sei o que deu em minha cabeça que atirei de novo meu petardo, e a bola novamente saiu como uma bala de canhão, atingindo com mais velocidade o fundo do terreno da minha casa.
Fiquei aguardando algo acontecer… Não demorou muito e vi a bola voltando, agora como se alguém baixinho estivesse cabeceando, com um completo domínio. Não acreditei naquilo, pois a bola vinha em minha direção, e eu fiquei paralisado com a cena.
Ao chegar bem pertinho, novamente a bola chegava em minhas mãos. Achei aquilo o máximo, esquecendo do medo que antes estava. Agora esta curtindo tudo, pois qual dos meus amigos teria um gandula mágico para trazer suas bolas de volta? Somente eu.
Com aquela companhia invisível, passei a gostar mais de estar sozinho naquela casa enorme, constantemente sem a presença dos meus pais, que estavam sempre trabalhando e não deixavam que meus amigos entrassem ali sem que eles estivessem presentes.
Um dia levei o Guto para brincar comigo, pois era final de semana, e minha mãe estava cuidando do almoço. Expliquei para ele o que havia acontecido, mas o meu amiguinho, talvez imaginário, não me deu pelotas, e fiquei com cara de pateta diante do maior goleiro do nosso time.
Segui tendo a ajuda e companhia invisível por muitos anos, sem que pudesse comprovar tal fato, mas recordo-me com carinho daqueles momentos, pois nunca mais fui um menino solitário, e meu chute, depois dos muitos treinamentos no fundo do quintal, tornou-se conhecido de todos do time do Estrela, nossa paixão dos melhores tempos de futebol.
Autor José Maria Cavalcanti
Texto publicado no Blog Grafiama, no dia 18/01/2011
http://grafiama.wordpress.com/
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O conto nos manda de volta para os campinhos de futebol, a maior diversão da garotada das décadas passadas. Creio que jogar bola ainda faz parte da rotina de muito menino pobre, que não tem computador, vídeo-game ou uma mesada para jogar numa lan-house.
Eu não trocaria a minha infância de bola de meia por nenhum passatempo movido a pilha ou bateria. Jogar pelada com os amigos era a coisa mais gostosa do mundo.
A alegria de uma bela jogada, o drible perfeito e depois vibrar com os amigos cada gol feito. São imagens e emoções inesquecíveis.
De vez em quando, vale a pena rebobinar tais momentos, tendo a memória ainda como companheira.
Lúcio
E todos nós temos os nossos anjos da guarda. A maioria bem discretos e alguns bem dispostos. O imaginário faz parte da vida da criança que sempre cobra companhia para brincar. De que adianta uma bola sem ninguém para apreciar nosso chute, nossos dribles ou mesmo nossas defesas. Por isso que criamos amigos invisíveis, que estão sempre por perto para nos elogiar. No mundo infantil, tudo é possível e, quando acompanhado, o que vale é aproveitar o momento e se divertir. Lembro que minha mãe ficava brava quando chamava meus irmãos para o almoço, e eles nem aí, queriam mesmo era ficar o tempo todo jogando bola. Muitas vezes fui atrás deles para lembrá-los que eles tinham casa, mãe, pai, irmãos e que precisavam se alimentar. Parecia que a bola era tudo e, junto de seus amigos de pelada, o mundo era perfeito.
A bola é o maior presente que se pode dar a um menino, assim imagino, pois a modernidade chega e vemos que ela ainda alegra e entretem as crianças amantes do futebol.
Linda história, fiquei imaginando quem estaria devolvendo a bola, porém fica na imaginação de cada um.
Lindinho o conto nos concedendo os encantos e a magia da infância.
Dalva
A infância é a fase do imaginário, é ali que se idealiza a perfeição do que se entende por bom.
A banda Engenheiro do Havaí tem uma canção que diz assim: “…um dia me disseram que o mundo não era de algodão e sem querer eles me deram a chave que abre essa prisão…”
Mundo bobo, mundo criança, mundo de sonhos e mundo de faz de conta, tudo é normal no mundo infantil, sem maldades, sem reservas.
Brincando de baladeira ou metralhadora a criança sempre acha que está fazendo tudo certo, inconsciente dos risco do que lhe é permitido por livre acesso. Mundo inocente.
Belo texto, boas reflexões. Parabéns!!!
Lembro das peladas nas ruas de paralelepípedo. Fazíamos as metas com pedras e o goleiro era sempre o pior jogador. Os melhores queriam apenas jogar no ataque, para poder fazer o gol.
Somente os mergulhos na praia nos faziam esquecer da bola por alguns instantes.
Bons tempos que não voltam mais.
Pedro
Gostei muito da história. Meu avô colocou meu nome porque sou o goleiro do meu time e ele sabe que sempre que posso vou correndo jogar bola com meus amigos.
Linda história, assim como a publicada no meu blog. Obrigado José Maria e um grande abraço.
Lendo essa história me lembrei de minhas bonecas de pano, com quem todo dia brincava, incansavelmente, de dona de casa. Fingia fazer comida e que elas adoravam tudo que eu preparava. Convida-as para bailes, sorveterias, para passear na praça e tudo era feito na imaginação. Tinha vezes que eu era a amiga e em outras a mãe delas, porém sempre acabava jogando-as dentro de uma caixa, nas manhãs em que ia para escola, na hora das refeições, dos passeios de verdades ou de dormir. Minhas bonecas eram minhas fiéis companheiras, dos poucos momentos de solidão, pois sou de uma família de seis irmãos.
A bola sempre se revelou a mais perfeita companheira para os meninos e, mais recentemente, para as meninas também.
Quantas vezes nos pegamos exercitando sozinhos para fazer bonito na frente dos companheiros, melhor ainda com um amigo invisível como parceiro de treinamento.
Não só tiros direto ao gol, também embaixadinhas, dribles novos, cabeçadas e outras peripécias pra aprontar na arena numa próxima pelada.
Quando sai conforme o praticado, é uma maravilha, pois o resultado é sempre a bola na rede do adversário.
Veja no vídeo abaixo alguns fominhas que treinaram demais.
Uma bola custa pouco, diverte, e consegue enormes benefícios ao desenvolvimento físico, emocional, social e moral das crianças. Lembro que na falta das bolas de borracha, meus irmãos faziam bolas de meias. Por outro lado, a bola sociabiliza as crianças devido poder ser compartilhada. Se uma criança sai de casa com uma bola, com certeza logo encontrará alguma outra criança que irá querer jogar bola com ela. A bola atrai as crianças. Esse era o medo dos pais do autor. A bola também não tem sexo. Pode e deve ser jogada tanto por meninos como por meninas. A bola também tem um grande poder no inconsciente das crianças e essa magia mostrada pelo autor acredito deva estar no imaginário de muitas outras crianças.
Quem diria, meu amigo Cavalcanti, você também teve um conga azul em sua infância, eu usei das duas cores vermelho e o azul, e vc não sabe, mami (d.Mary) como vc a chama, cortava as pontas do conga para podermos (eu e maninha) usar por mais tepo, rsrsrsr. Era só tropeções que dávamos com os dedos todinhos para fora era de doer mesmo, o que não faz uma mãe com poucos recursos na época, tudo para manter suas filhas calçadas, sem contar o chinelo havaiana que, quando começava a arrebentar, ela colocava granpo para usar mais um pouco até poder comprar outro para gente rsrsrs. Bom, mas voltando ao assunto da bola, eu e minha irmã, nas horas vagas, brincávamos de bola também, isso era a nossa grande alegria depois de um dia de tarefas, sim, não tínhamos essa moleza não! E por coicidência tínhamos uma vizinha chata também, pois reclamava quando a bola batia em sua parede, mas ela nunca cortou nossa bola´. A bola, a corda, as 3 marias e o taco foram brincadeiras de minha infância que nunca esquecerei esses momentos.
Grande Beijo Cavalcanti e obrigada por nos fazer lembrar desses momentos que hoje a grande maioria das crianças desconhece.
Quem nunca teve, na infância, um amigo invisível. Quantas vezes nos deparamos com uma criança conversando sozinha. É o amiguinho invisível! As meninas têm capacidade de brincar de boneca com várias amigas invisíveis. Elas passam por mãe, tia, vó irmã, coleguinha e assim fazem várias histórias acontecerem. É o mundo que elas vivem sem maldade, desconfiança, inveja e sem inimizades. É um período mágico na vida de todos elas. É a compensação por não terem acesso fácil ao mundo lá fora. As meninas dão vida às bonecas e brincam e conversam e as chamam pelo nome. Os meninos fazem uso do mais simples e melhor brinquedo do mundo: a bola. A bola tem grande capacidade de movimento e atrai a atenção de qualquer ser humano e até mesmos dos animais irracionais. Além do mais, é o brinquedo mais acessível para toda criança que pode tê-la nem que seja de meia. A bola sempre foi e será a ferramenta mais importante na disputa do esporte mais popular do mundo. Imaginem diante de uma criança, que potencial ela exerce. Por isso vem a necessidade de um parceiro para formar num mínimo uma dupla e assim poder brincar. Daí surge o amigo invisível.
Zeca, o tema dessa história lembra minha época de jogador de futebol na segunda divisão e de filho de comerciante (dono de bodega) que vendia bolas Pelé. No bairro (Vila Dom Eugênio), em que vivi parte da minha adolescência, tinha um clube chamado Treze da Vila, que por sinal, ainda existe, que foi fundado pela minha família. Inclusive o meu pai foi um dos fundadores. Na época jogava muito nos quintais e no campo que ficava atrás da minha casa. Cresci vivenciando esse ambiente, chegando a fazer partidas no antigo João Câmara e fiz várias preliminares no Machadão de jogos do ABC e América. Bom lembrar que essas participações ocorreram quando o futebol do RN estava em alta, período de 71 a 74. Não era muito bom de bola, mas dava para perturbar a vida dos adversários. Mas o destino me levou a outros caminhos. Quanto à venda das bolas, tinha por hábito roubar da bodega, chamar os amigos e correr para o campo de areia. Levei surras dos meus pais com isso, porque eles queriam que eu me tornasse bodegueiro. Quando não tinha as bolas, fazia de pano, ou seja, pegava várias meias, colocava uma dentro da outra e jogava. No meu caso, a visibilidade era real, uma vez que tinha o campo de futebol. E mais, gente para jogar não faltava. Quando eles me viam com a bola, diziam lá vai o filho de Capiau (meu pai). Foram momentos significantes na miha vida. Sobre a bola Pelé, depois falo sobre ela.
Ai, ai, ai…essa da mulher que cortava a bola de raiva ao cair em seu quintal era corriqueiro pelos vilarejos de cada um que vivenciou um pouco desta história.
Mas cá pra nós Cavalcanti…ela rasgar talvez por não ter filho ok, mas a possibilidade de não ter marido kkkk…ri sozinha aqui. Você foi hilário mesmo. Se toda mulher sem marido não relevar uma brincadeira de criança. Coitadinhas! Estão fritas. Então nem passem perto de minha casa. Sou sem marido…kkkk…
Estou rindo aqui com essa observação. Boa essa!! kkkkkkkkkkkkkkkkk…
Mas que alegria quando li o comentário de minha irmã Marcia. Showww…!
Era isto mesmo. Até emocionei-me.
Resgatando música como nosso amigo JOÃO D’MARIA. Ele recordou Engenheiros do Havai. Ouvia muito. “SOMOS QUEM PODEMOS SER!” Este era o nome da música.
Showww…João!!
Mas ser criança, sonhar, adotar amigos imaginários faz parte da infância. E que maravilhoso, porque éramos verdadeiramente transparentes com nossos sentimentos, desejos e vontades. Porque o melhor de tudo é que somos fiéis a esta amizade de forma muito intensa.