Pau de Arara

ÊXODO

O sol logo cedo expandiu seus raios, maravilhando ainda mais a cidade do Rio de Janeiro. O domingo ficou convidativo: o sol, o céu e o mar seduziam os transeuntes. Os ônibus passavam lotados a caminho das praias.

A alegria patrocinava eufóricos rostos juvenis, num contagiante alarido que entoava e ecoava pelos cantos:

– Xô, bêbado, paraíba, jatobá, sai fora, peão de obra, que aqui não é teu lugar.

E continuava a babel de vozes, desatinando ainda mais aquele vulto maltrapilho, espreguiçado em uma das poltronas traseiras do veículo coletivo.

O bêbado nordestino, em meio a tanta algazarra, gritava palavras desconexas:

– Vô prá Arapiraca. Vô vortá!

E gritava mais alto, em contraponto com o coro mais forte. Repetiu o eufórico desatino, e já sem forças se cansou. Seu corpo estava entregue, sem controle, e as pálpebras permaneciam semicerradas. Numa próxima curva, seu corpo caiu para o lado. Melancólico, surrado, ele ainda resmungou:

– Droga, eles num qué mi dá passagi!

E logo começou a chorar baixinho, relembrando das bolas de sonho que o trouxeram àquele lugar, o “Eldorado do Brejeiro”, saído da roça e do arado.

As recordações eram fortes, e aquele tamborilar ritmado ainda ressoava em sua cabeça:

“- Xô, peão de obra…”

Sim, aquilo fora tudo que conseguira ser em todo aquele tempo de fome e horas mal dormidas. E passou a viver embriagado, injuriado pelo desemprego e lembranças de sua terra.

O ônibus parou. Já não havia tanta gente. Era a última parada. Motorista e trocador caminhavam ao seu encontro. Lá no canto, todo quebrado pelos solavancos, ainda balbuciava alguns sons guturais. Então, num repente, a voz altiva do motorista quebrou o silêncio:

– Vamos lá, bêbado caipira. Pula fora e vai se virar!

Motorista e cobrador o seguraram pelos braços e o atiraram bem longe, no barro enlamaçado.

Fim de linha, peão de obra.

Texto publicado na Revista O Especialista, em 15 de julho de 1981.

Autor José Maria Cavalcanti

Se você gostou da história, deixe seu COMENTÁRIO!

Clique aqui:  https://bollog.wordpress.com/2012/01/15/pau-de-arara/#comments

Luiz Gonzaga – Pau de Arara (1952)

Raimundo Fagner – Último Pau de Arara