Fofoca
LÍNGUA AFIADA DA CANDINHA
Lurdinha, no seu dia de folga, estava tão ansiosa à espera de Naldinho que nem quis ficar lá dentro. Ficou à janela, debruçada no parapeito que dava vista pra rua. Dali podia controlar o vaivém das pessoas que desciam a Quintino Bocaiuva.
Queria contar para ele que finalmente a Caixa Econômica havia liberado o crédito tão aguardado, assim, finalmente poderiam assinar a papelada e, logo depois, pegar as chaves do apê que tanto sonhavam. Estava cansada daquele que moravam, no andar térreo, uma curva de rio, onde tudo para. Também estava cheia das mesmas caras e dos problemas de um prédio simples.
Nisso, passou a Norma, uma conhecida Candinha solteirona que todos evitavam. Não tendo como escapar, Lurdinha teria que aturá-la por algum tempo. “Dos males, o menor”, era uma espécie de máxima que ela gravou da sua mãe. Assim não ficaria roendo as unhas e qualquer coisa serviria de passatempo.
– Bom dia, Lurdinha, que dia, hein! Já chegou reclamando e deixando uma interrogação no ar.
– Que houve, Norma?
– Você não sabe, mataram o Cabo Bruno, lembra? Aquele que limpava as ruas desses porcarias que andam aprontando por aí…
– Sério! Fingiu Lurdinha saber do que se tratava.
– Menina, todo mundo só fala nisso, manchete de primeira página!
– Por falar nisso, Norma, ontem vi um filme que tocava nesse tema. É muito bom, com Nicolas Cages, o nome é O PACTO. Você já viu? Lurdinha tentava levar a Norma para um papo hollywoodiano, evitando falar em mortes, pois gostava muito de filmes.
– Epa, epa, vejam isso! Interrompeu Norma. Olhe isso que vai acontecer, amiga…
– Do que você tá falando?
– Tá vendo o rapagão lá do outro lado? Ele vai subir outra vez para bater na porta da Sandrinha.
– Mas o que é que tem isso. O cara tá até com roupa de firma. Deve ser algum técnico para sanar alguma emergência.
– Pra cima de mim, não! Sei checar uma informação. Isso é disfarce, o cara deve ser garoto de programa, pois já esteve aí outras vezes, sempre uniformizado.
– Norma, que é isto! Veja o que vai falando por aí, hein!
– Lurdinha, eu tô ligada. Olhe, na primeira vez foi a resistência que queimou; na segunda, era o cano da pia que entupiu; e agora, será o quê?
– Mas, Norma, tudo isso pode acontecer em apartamentos tão velhos como estes que vivemos.
– Lurdinha, enquanto você se entretém com esses filminhos, eu corro atrás pra que essas sem-vergonhices não passem em branco, tá? Deixe comigo que logo saberei qual foi dessa vez.
– Você não sabe a cara de felicidade que ela fica depois que o garanhão vai embora e fica o resto do dia cantarolando. E ele sai com um sorrisão nos lábios, segundo a Dorinha, que vigia tudo pra mim pelo olho mágico.
– Norma, pare com isso. Até eu ficaria muito feliz depois de ter um problema doméstico resolvido. Que mal há nisso? E ele, como bom profissional, se orgulha do que faz, ora!
– Santa inocência, Lurdinha, conheço o procedimento dessa ex-amiga. Quando ela falava comigo, vivia encalorada e desesperada para arranjar um encosto qualquer, mas acho que agora resolve suas crises com serviço pago. Isto é uma pouca-vergonha, bem diante dos nossos olhos.
– Não sei não, Norma, mas tô achando que esse cara trabalha para a TV paga e veio aí fazer algum serviço…
– Mas três vezes, Lurdinha?
– Sei lá, alguma mudança de pacote ou alguma encrenca de começo de operação…
– Lurdinha, não leva a mal não, mas só saio daqui depois de tirar essa dúvida.
Naquela altura, até Lurdinha queria saber o que estava realmente acontecendo.
Depois de mais de uma hora de tra-lá-lá, o rapaz se aproximou delas e, com um largo sorriso, cumprimentou as duas.
– Boa tarde!
Norma, mais que depressa, interpelou o jovem.
– Por favor, estou com um problema na minha TV, o senhor poderia fazer um servicinho pra mim?
– Senhora, me desculpe, minha área de atuação é outra, sou o irmão mais novo da Sandrinha. Como minha empresa está fazendo um trabalho aqui em Campineiras, estou vindo fazer umas visitinhas para minha irmã, que é como uma mãe para mim.
Dito isso, saiu com uma despedida ligeira, pois tinha pressa. Não sem antes esboçar mais um sorriso para as duas vizinhas de sua irmã.
Lurdinha pôde ver os olhos paralisados de Norma e a boca que permanecia ainda aberta, sem pronunciar qualquer palavra.
– Bem feito, agora você terá que engolir tudo o que pensou de mal da pobre mulher.
Já quase recomposta, Norma não deixou por menos.
– Lurdinha, e você vai cair nessa… Tudo arranjado, minha filha. O cara tinha a resposta na ponta da língua. Pra mim, só se mostrar a certidão de nascimento, passada em cartório.
E, não contente, continuou:
– Passar bem, que tenho muito o que fazer. Não sou dessas desocupadas que fica vendo filminho ou novelas do plim-plim.
Lurdinha, ao ver Naldinho apontar na esquina, entrou dando a maior gargalhada, pois havia ganhado a manhã, e o tempo passou voando.
“Se o povo falar, não ligue! Não ligue, deixe o povo falar.” – Jorge de Altinho.
Em uma reunião de condomínio, uma senhora reclamou da vizinha que havia passado a noite toda mexendo nos móveis e andando apressada pelo apartamento sobre o seu.
– Foi porque meu marido teve um infarto.
O silêncio tomou conta da assembleia e a vizinha se desculpou.
As vezes só enxergamos só o desconforto e não imaginamos os motivos, reclamamos do que nos incomoda e nem nos perguntamos o porquê dos incômodos. Rever paradigmas ajuda a evitar conclusões precipitadas e a sermos mais tolerantes com o que nos apresenta fora da normalidade.
No caso da fofoqueira de plantão, para ela, nada que a Sandrinha faça vai ser bom, pois Norma é um pessoa do contra e necessita encontrar razão para suas convicções.
Um belo texto, que nos brinda com o retorno desse casal cheio de alegria. Parabéns!
Meu com a Norma você me fez lembrar da novela O Bem-Amado, a primeira em cores do Brasil, escrita por Dias Gomes. A trama girava em torno do prefeito e coronel Odorico Paraguaçu – Paulo Gracindo – que, na cidade fictícia de Sucupira, na Bahia, tinha como sua maior obra inaugurar o cemitério local.
A Norma lembra as irmãs Cajazeiras – três solteironas fofoqueiras da cidade.
Claro que outro personagem especial era o Dirceu Borboleta, secretário gago de Odorico.
Boa essa, meu querido.
Abraços.
Certa vez, convidamos um casal de amigos para um jantar dançante. As
bebidas e os petiscos chegavam à mesa, enquanto a banda tocava músicas
de MPB. Em seguida, o jantar foi servido e o dance permaneceu lotado
até o término da festa, como acontece todos os sábados.
No dia seguinte liguei para o casal querendo saber se o convite que
lhes fizemos atendeu suas expectativas, pois sempre faço este “follow
up”.
A esposa, que tem a língua afiada da candinha, não perdeu a
oportunidade de comentar e do outro lado da linha dizia:
– Você viu aquele casal ao lado da nossa mesa? Aquela mulher não é a
legítima nem na China! Aquele cantor tem um jeitinho… E aquele casal
da esquerda? Viu como ela se rebolava e ele ficava paradão e se
babando! Só podia ser um caso dele, mãe dos filhos é que não é. Aquele
senhor de cavanhaque, dizem que é o proprietário do clube. Viu que ele
não parava de beber e toda mulher que passava ele olhava pra traseira!
É um sem vergonha. E aquele casal de dançarino? Nunca vi gostar tanto
de aparecer! Oh festinha cheia de mulheres de programa!
Após tanta observação negativa, resolvi saber se eles teriam gostado
do cardápio e ela respondeu: – Aquela bacalhoada, só tinha batatas e o
bacalhau passou bem longe, acho que o peixe estava mais para cação.
Não tem quem me convença que aquele uisque é legítimo. E quem se
atreve chamar aquela torta/morango de sobremesa?
Diante de tanta negatividade, perguntei: Afinal, não gostou da festa?
Ela respondeu: Amei! Não deixe de nos convidar para outra, pois adoro
fazer comentários!
Nonoca era uma famosa fofoqueira de Diamantina, vivia a vigiar a vida dos outros para não pensar nos proprios defeitos. Ela preferia cuidar da vida de todo mundo, assim se fortalecia, falando mal de alguem ou procurando defeitos na vizinhança.
Como a Norma, estava de porta em porta, doidinha para dar vazão a sua imaginação fértil e a sua língua ferina.
Eita boquinha desocupada, difícl é fugir de uma mulher dessas.
Falar pelos cotovelos não é pecado, desde que não sejam pronunciadas palavras ofensivas à vida de outra pessoa, pois a língua é comparada a um pequeno leme que, à vontade do piloto, direciona um grande navio para onde quer que ele queira; e também pode ser comparada com uma pequena chama que pode incendiar uma grande floresta.
Isto é, podemos canalizá-la para o bem ou para o mal.
De forma engraçada, você traz a Norma, mulher de língua afiada, que faz mau juízo dos atos de suas vizinhas sem ao menos ter certeza daquilo que vai espalhando.
Quem precisa de GPS para monitorar a própria vida, tendo uma Norma por perto?
Risos.
De casualidad, o quizás causalidad; en mi blog, se dió algo que tiene que ver con la fofoca, que creo yo; que únicamente se encuentra entre personas vacías.
A pior avaliação da vida é a de achar que todos os problemas são iguais. O fofoqueiro julga todos como se assim fosse: uma produção em série. Mas, cada vida é uma situação diferente e deve ser respeitada. Devemos cortar de nossa vida as “Marias vai com as outras” da vida e evitar ser deixado se levar por fofocas.
Sou de uma cidade pequena de Minas.
Lá todo mundo sabe da vida de todo mundo e todo assunto se espalha rapidamente.
Tem sempre alguém de plantão pronto pra espalhar ou comentar qualquer fato novo.
Numa cidade com poucas opções de diversão, para muitos, falar da vida alheia passa a ser uma atividade.
A Norminha lá seria apenas mais uma.
Gostei da história.
Lurdinha e Naldinho: Para “fechar o ano II com chave de ouro”… Casal com muito estilo esse seu… E nessa matéria ela foi muitíssimo elogiável !
(e quem deve imitá-la somos nós: cortar a fofoca pela raiz!)