Cordel Cultural
O CORDEL
“Nas naus colonizadoras, com os lavradores, os artífices, a gente do povo, veio naturalmente a tradição do Romanceiro, que se fixaria no Nordeste do Brasil, como literatura de cordel.”
(Câmara Cascudo, 1973).
Origens do Cordel
Cordel. Vem de corda, cordão, cordial, coração. Os folhetos eram expostos em cordões nas feiras, praças e mercados e adquiridos pelos leitores e aficcionados.
Literatura de cordel, poesia de cordel, romance, folheto(s), “folhas volantes” ou “folhas soltas”,”littérature de colportage”,”cocks” ou “catchpennies”, “broadsiddes”, “hojas” e “corridos”. São nomes que a poesia popular recebeu ao longo do tempo, na Europa e nos países latino-americanos.
O cordel apresenta-se em narrativas tradicionais e fatos circunstanciais, em folhetos de época ou “acontecidos”.
As origens da literatura de cordel estão na Europa Medieval. Tem as suas bases na França(Provença), do século XII e posteriormente na Espanha, Portugal, Itália, Alemanha, Holanda e Inglaterra. Chegou ao Brasil Colônia com os portugueses, depois incorporou a poesia indígena, a poética do negro e ganhou um ritmo sertanejo-tropical.
Classificação do Cordel
Classificação dos ciclos temáticos do cordel, por Ariano Suassuna: abordagem do heroico, trágico e épico; depois a exploração do fantástico e do maravilhoso; assim como a temática religiosa e da moralidade social; tudo com a parte cômica, satírica e picaresca; sem deixar de tocar na parte histórica e circunstancial; o amor e a fidelidade são recorrentes; assim como o lado erótico e obsceno; o lado político e social estão sempre presentes; e talvez a abordagem das exibições públicas, por meio de pelejas e desafios.
Influências do Cordel
Ariano Suassuna se inspirou do cordel para criar sua obra-prima: O AUTO DA COMPADECIDA. Talvez poucos saibam que as proezas de João Grilo já estavam presentes na obra de João Ferreira de Lima.
Assim como ele, renomados criadores de arte e literatura no Brasil tiveram seus trabalhos marcados pela influência da literatura de Cordel, dentro muitos, cito: Mário de Andrade, Jorge Amado, Oswald de Andrade, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Dias Gomes, João Ubaldo, Orígenes Lessa, Cora Coralina, Carlos Drummond de Andrade, sem esquecer as influências de gênios da MPB, tais como: Gonzagão, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Raul Seixas, Alceu Valença, Zeca Baleiro, Lenine, Chico César, Cartola, Ary Barroso, Noel Rosa, Sivuca, Dominguinhos, Tom Zé, Jorge Mautner e até Jacques do Pandeiro. Sem contar Torquato Neto, Gilberto Gil, Vinícius de Moraes e Caetano Veloso.
Em homenagem ao tema do Cordel, uso termos e expressões bem nordestinas para fazer esta poesia:
MANGÁ D’EU
Homi veiu caningado
Vida torta, mulestado
Tu é pé rapado e liseu
Só’stô tu mangá d’eu
Num podi cumê ginga
Sem patacas pra pinga
Um filho de Zé Bedeu
Só’stô tu mangá d’eu
Deve tá apoquentado
Logo vai está arriado
Com a cana qui bebeu
Só’stô tu mangá d’eu
E esse peba veiu bulir
Na guela a se enxerir
Presepeiro se vendeu
Só’stô tu mangá d’eu
Xexeiro lá do Alecrim
Marmota de trancilim
Teu passado já barreu
Só’stô tu mangá d’eu
Murrinha e sem nomi
Só há pra matar fomi
O cuscuz do Pompeu
Só’stô tu mangá d’eu
O metido, amostrado
Tão aluado e lascado
Não intrô no Atheneu
Só’stô tu mangá d’eu
Foi cuspido e cagado
E nunca foi estribado
É um fuleiro e plebeu
Só’stô tu mangá d’eu
Um batoré e molenga
Sai vexado de arenga
Pé na cova já morreu
Só’stô tu mangá d’eu
Pra acabar o repente
Do pereba indecente
Qui inté si escafedeu
Só’stô tu mangá d’eu
Um registro para a Prosperidade
Inédito registro de vinte poetas cordelistas contribui para a construção da memória da cultura popular brasileira.
Por Fernando Assumpção [1]
Surgido pela necessidade de registrar os relatos de seus poetas acadêmicos e criar a memória institucional da Academia Brasileira de Literatura Cordel (ABLC), o projeto “Nossos Mestres do Cordel” também contribui para difusão da literatura de cordel. O admirador, o pesquisador ou o entusiasta dessa manifestação artística poderá ver o poeta relatando sua experiência, como é o seu processo de criação, sua relação com a poética, a estética que segue e construir novas teorias e pesquisas, compreensão de novas linhas de raciocínio, se aventurando, pelo relato do poeta, por uma verdadeira viagem.
Aprovado no edital Ponto de Memória do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM/MinC), o projeto foi pensado como a metodologia do Museu da Imagem e do Som (MIS), que registra seu “depoimentos para a prosperidade”. “Nossos Mestres do Cordel” capturou o relato de 20 poetas acadêmicos, com uma média de uma hora e meia a duas horas. Ou seja, possuímos pelo menos de 35 a 40 horas de “sabencias”, como relatou o poeta registrado Fabio Sombra. Buscamos mais do que captar as imagens, mas criar um cenário lúdico que contribuiria para a riqueza das falas: gravamos no palácio Capanema (sede do Ministério da Cultura na cidade do Rio de Janeiro), no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP/IPHAN/MinC), no Centro de Referência da Musica Carioca, no Barracão Maravilha (casarão que serve como ateliê de grupos de artistas plásticos e visuais, na Lapa, centro do Rio de Janeiro). Além, é claro, na sede da ABLC, em Santa Teresa.
O projeto contribui também para o registro da literatura de cordel como Bem Imaterial. Em 2010, a ABLC encaminhou, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN/MinC), a solicitação de registro de Patrimônio Imaterial do País. A solicitação foi acatada pelo orgão responsável, o Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI) e, em breve, a literatura de cordel, juntamente com o samba, a capoeira e a viola de cocho, entre outros, será patrimônio cultural do país.
Foram 10 dias de gravação com uma equipe de cinco pessoas, além dos entrevistadores convidados, que contribuíram para a investigação minuciosa da trajetória de cada poeta e seu papel criativo na literatura de cordel. Tentamos ampliar e explorar, com cada entrevistado, todas as formas que são atravessadas pela literatura de cordel: a cantoria, os “causos” populares, as lendas e mitos, a jocosidade, o relato de cotidiano e as histórias de encantamento, por exemplo.
O próximo passo é a edição e mixagem de som e a criação de relatos separados que ficarão disponíveis pela rede e também em algumas bibliotecas públicas, como a Nacional (BN) e outras bibliotecas/cordeltecas parceiras como a Biblioteca Amadeu Amaral do CNFCP, Casa de Ruy Barbosa, estas localizadas no Rio de Janeiro, e Fundação Joaquim Nabuco, em Pernambuco.
Desejamos que o projeto resulte em novos desdobramentos. A partir de todo o material editado, podemos decupar e propor um roteiro de um documentário ou uma serie de televisão, dividas em temas ou até mesmo construir a poética de cada cordelistas no tema maior que é a literatura de cordel. Pela ABLC, ainda temos mais 20 poetas acadêmicos que não foram contemplados nessa primeira leva de depoimentos. Esperamos novos financiamentos para contribuir para esta construção de memória.
Participaram desta primeira fase do projeto em ordem de depoimentos:
Beto Britto
José Walter Pires
Moreira de Acopiara
Sepalo Campleo
Joao Batista Mello
Madrinha Mena
Antonio de Araujo Campinense
Maria do Rosario Pinto
Fabio Sombra
Gonçalo Ferreira da Silva
Ivamberto Albuquerque
Dalinha Catunda
Victor Alvim “Lobisomem”
Willian J. G. Pinto
Chico Salles
Zé Maria de Fortaleza
Olegário Alfredo
Arievaldo Vianna
Dideus Sales
Interessante e esclacedora essa materia sobre a literatura de Cordel, de grande valia para a cultura brasileira, que infelizmente ainda nao sabemos as origens que muita coisa ainda acontece nesse rico pais. O Ministerio da Cultura deveria difundir mais a nossa cultura para que tenhamos maior acesso a ela.
Eita que saudade arretada do meu pedacinho de chão… lá pras bandas de Tangará, um sitiozinho de muita criação… havia galinhas, porco, cabras e até uma vaquinha leitera.
Não esqueço do dia de feira… a compra da farinha, da rapadura e da carne seca. Tinha de tudo inclusive beju, goma, tapioca. Na barraca da dona Nastácia, a gente tomava café com cuscuz.
O que chamava muito a atenção de todos era mesmo os cantadores, repentistas que brigavam entre eles pra ver quem se saia melhor.
A cantoria comia solto e eles também vendiam seus trabalhos.
Hoje na minha religião tem até encontro de repentistas com Cristo, é uma disputa pra honra e glória do Senhor.
A cultura nordestina também está muito presente na maior capital do país, lugar onde nasci há 58 anos. A mesma força humana que ajudou a erguer a maior selva de pedra da América do Sul trouxe também consigo suas tradições, costumes e crendices.
Por falar nisso e querendo abordar o tema do cordel, quero relatar um certo ocorrido há algum tempo.
Recordo que, nas imediações do Viaduto do Chá, Vale do Anhangabaú – Centro, algo me chamou a atenção. Havia uma aglomeração onde todos se divertiam, dando boas gargalhadas. Aquilo era muito estranho, em meio a seriedade e correrias do grande comércio. Me aproximei, abrindo espaço até chegar perto das violas e seus cantadores.
Dois repentistas zombavam de políticos, da política e de outros temas.
Tudo que eles cantavam (em forma de rimas) era tão engraçado que era impossível não rir.
Pensei: Será que eles cantam de graça? Algo devem vender, senão como vivem?
Daí a pouco, começaram a anunciar a venda de uma pomada “milagrosa”, feita a partir do óleo retirado do peixe poraquê da Amazônia. Diziam que o produto era feito pelos próprios índios, no meio da mata, e que bom para aliviar todo tipo de dor.
Mal ele acabou de fazer a propaganda, já tinha gente com dinheiro na mão.
Não deu pra quem quis, tudo foi vendido em questão de minutos.
Fiquei impressionado com aquela técnica de venda.
Até hoje não sei se compraram pra ajudar ou se realmente acreditaram no poder da cura da tal pomada.
O que sei é que o cordel também vende (risos).
A nescessidade do caboclo mostrar que bobo não é,de uma forma bem simples barata e direta no linguajar cotidiano, é uma mostra da capacidade das massas romancistas
de se apresentarem para a classe que, com certeza, os seguem acreditam e creditam seus feitos e desejos mais intensos.
o cordel um dia haverá de ganhar destaque merecido e lido.
Belo resgate de nossa cultura e arranjo dum conto inédito.
Parabens Sr. José.
Fazer cordel não é fácil, pois tudo é impresso na madeira (xilogravura) e depois, como um carimbo, decoram cuidadosamente o papel. O cordelista, além de ser o poeta de sua criação, tem que saber desenhar na madeira antes de esculpi-la, executar trabalho gráfico antes de encadernar sua obra, garimpar um local de grande fluxo de pedestre para expor seus livretos e declamar, a todos pulmões, sua mensagem. Devemos a esses mestres da arte do cordel o impulsionamento da leitura na minha região. Através das páginas do cordel acompanhamos tanto os milagres atribuídos a Padre Cícero como as aventuras de Lampião, que foram largamente propagadas entre denúncias de injustiças sociais e a saga do povo nordestino frente as adversidades do clima.
É impressionante como a arte do Cordel, que era considerada algo menor, foi a base para Ariano Suassuna compor a famosa peça O Auto da Compadecida.
Neste vídeo, o próprio autor declara isto, com toda humildade.
A Literatura de Cordel hoje é estudada até nas faculdades.
Os folhetos, outrora vendidos no varal de feiras comuns, hoje são vendidos em feiras culturais.
Me encho de orgulho com a elitização dessa modalidade poética popular, que trata das coisas bem típicas nordestinas.
Este post fala de Cordel e, sempre que vou a Natal, no Centro de Turismo, posso ver esta cultura sendo divulgada.
Não sabia que uma das peças que mais gosto “O Auto da Compadecida”, que já vi várias vezes na versão que virou filme, era na verdade puro cordel, repaginado pelo grande genial Ariano Suassuna.
Quando passou na TV, eu não perdia um capítulo. Morria de rir com as peripécias e astúcias de João Grilo e seu grande amigo
Chicó (contador de causos e mentiroso), que tudo justificava por sua origem humilde, de pobreza extrema.
Mal a minissérie chegou às bancas, lá estava eu comprando. Vi mais algumas vezes e emprestei os dvd’s para quem não conhecia ainda o trabalho.
Muito legal tudo que li aqui. Cordel é cultura mesmo! Parabéns.
A rima faz parte integrante da nossa vida, o tempo todo. Quando eu era pequena, pedia insistentemente para o meu pai falar as rimas simples que me encantavam: ” Lá em cima daquele morro tem um velho relojoeiro. Quando vê perna de moça faz relógio sem ponteiro…” ou ” Em cima daquele morro passa boi, passa boiada, também passa a Gisele com a calça remendada…” e aquilo para mim era poesia pura.
Depois, uma das rimas mais lindas que “ouvi” com o coração foi do coração da minha filha, ainda dentro da minha barriga. Era como se ela me dissesse: “Não vou andando. Vou voando…” (tem coisa mais disparada que coração de um bebê?)
E ouço a rima da chuva, do chuveiro, da panela de pressão, da janela se abrindo e da máquina de lavar. E isso é a poesia da vida!
E acho que os repentistas tem um botão de liga/desliga que faz as palavras se misturarem de forma tremendamente rápida e maravilhosa e o resultado são rimas tristes ou divertidas, sempre abundantes. Que talento!
Parabéns Cavalcante: “Eita cabra rimador!”
PS.: Só que daria para fazer um “vocabu-nordestinês para iniciantes”? Tem muitas palavras que eu gostaria de entender direitinho…
Um sucesso!
Obrigada por tudo!
“Pegar no laço do pensamento a rima feliz e plantar com amor na divisa extrema do verso…”
Cora Coralina – “Meu livro de Cordel
Gisele, como uma borboleta, vai e vem, a bater suas asas.
Quando criança, cercada de gatos, vivia a flutuar, em pensamentos:
Para o ar, decola o lindo avião
A menina se imagina à nacele
Tal um pássaro, na imensidão
Voa leve, o seu nome é Gisele
Viu, a cadeirinha da aeronave combina com seu “ele”.
Obrigado pelo comentário.
Numa feira de cultura, tinha um cordelista que escrevia pequenos versos de acordo com a palavra dada, para isso bastava adquirir um dos seus livretos. Uma técnica de vendas que promovia um grande fluxo de clientes na tenda que ele ocupava. Recentemente ganhei de presente, do meu filho Hugo, um moderno modo de vendas do cordelista paraibano Beto Brito, que apresenta seu trabalho em uma caixa contendo uma dúzia de livretos e um CD com melodias. Fiquei admirado com a forma da apresentação do produto, que chama atenção por tanto bom gosto.
Me lembrei da novela Cordel encantado que foi linda e que recentemente saiu em DVD. Irei comprar.
Legal seu blog!