Casa Brasileira
Casa Brasileira – Geraldo Azevedo
A casa era uma casa brasileira, sim
Mangueiras no quintal e rosas no jardim
A sala com o cristo e a cristaleira
E sobre a geladeira da cozinha um pinguim
A casa era uma casa brasileira, sim
Um pouco portuguesa, um pouco pixaim
Toalhas lá da ilha da madeira
E atrás da porta arruda e uma figa de marfim
A casa era assim ou quase
A casa já não está mais lá
Está dentro de mim
Cantar me lembra o cheiro de jardim
A coisa é a coisa brasileira, sim
O jeito, a maneira, a identidade enfim
E a televisão, essa lareira
Queimando o dia inteiro a raiz que existe em mim
A casa era assim
Um pouco portuguesa e pixaim
Autores: Geraldo Azevedo e Renato Rocha
É com doçura poética que Geraldo Azevedo toca em temas que envolvem nossa brasilidade.
A música Casa Brasileira fala principalmente das influências afro-lusitanas na formação sociocultural brasileira. Traços marcantes bem presentes no nosso dia a dia.
Com certeza que o músico, autor e cantor foi influenciado pelo sociólogo Gilberto Freyre, que escreveu o livro Casa-Grande & Senzala, no qual faz um estudo detalhado do surgimento do elemento humano que surgiu a partir da miscigenação entre brancos, negros e indígenas, aqui no Brasil.
A citação feita do cabelo “pixaim” é a propósito, pois que é o resultado da bela mistura deste grande caldeirão de raças que se chama Brasil. Tal cabelo não é liso, de cor natural escura, característico dos povos de pele negra, que nos legaram força, alegria, música e dança.
A letra, cheia de musicalidade, fala da distribuição dos espaços, com “mangueiras e rosas”, o que na verdade diz respeito à arquitetura da residência, tipicamente brasileira, com quintal com fruteiras e espaço frontal, perfumado com flores e rosas.
Depois, partindo para o interior da casa, chegamos à sala com o armário envidraçado no qual se guardam e se exibem os cristais e louças, conhecido como “cristaleira” e, adentrando um pouco mais, invadimos a “cozinha”, que é para muitos o lugar mais gostoso e aconchegante. É muito comum, nas casas brasileiras, a aparição do adorno de um “pinguim” em cima da geladeira, embora que em Portugal seja também muito usada a figura de um galo.
Além da arquitetura e dos azulejos, as toalhas rendadas da Ilha da Madeira fizeram fama em terras brasileiras.
Claro que herdamos muitas crendices do sincretismo religioso, algo comum das religiões africanas, por isso a referência à “figa de marfim” e a “arruda” atrás da porta.
Tais influências carregamos no sangue, nas nossas feições e tradições. Mais que isso, carregamos dentro de nós, por meio de cheiros, imagens e sons: “a casa não está mais lá, está dentro de mim… cantar me lembra o cheiro de jasmim.”
Viajando pelo mundo, escutei de um amigo que o passaporte brasileiro é o mais visado para fins de falsificação. Pelas múltiplas possibilidades de se ter um “John Stock” com um rosto moreno, algo típico do Brasil ou você ter um rosto com feições orientais com um nome de “João da Silva”. É de se imaginar o largo caminho que se abre para quem está com segundas intenções.
Mais o que mais me impressiona nesta letra do Geraldo Azevedo é o seguinte verso:
“E a televisão, essa lareira, queimando o dia inteiro a raiz que existe em mim.”
Hoje se fala muito em globalização, que tem como principais veículos de interação mundial a Internet, com suas redes sociais, e a televisão.
Sabemos que aos poucos estamos perdendo nossas peculiaridades, nossas facetas, nosso jeito local de falar e de agir.
Sem que todos se deem conta, diante da telinha (lareira) “nossas raízes estão sendo queimadas”, lentamente.
A disposição de nossas casas, com jardim e quintal, continua ainda hoje como é descrito na bela letra desse compositor que retrata bem um Pernambuco de outrora. Como porta de entrada da colonização à Veneza Brasileira, teve forte influência de seus conquistadores. Enquanto as garagens ocupam os espaços dos jardins, os quintais de hoje estão sendo ajardinados e se transformando em áreas de lazer, coisas da modernidade. No meio de tantas mudanças, ainda encontramos casas com roseiras enfeitando a fachada e um belo pomar no quintal. O pinguim foi uma jogada de marketing para bem representar a utilidade do móvel de refrigeração. As toalhas de labirintos (rendas) são até hoje cobiçadas e por muitos anos deram sustentos às rendeiras do Nordeste e hoje, infelizmente, são bem copiadas por máquinas inteligentes que produzem em série. Basta um pouco de desajuste, seja financeiro, no trabalho, no amor ou na vida social, para haver uma procura das peças de proteção:uma figa, um trevo, uma pimenteira, um comigo ninguém pode, uma espada de São Jorge ou sal grosso. É aí que se manifesta nossas crendices. Tanto a escolha da canção como a análise da letra foram de total bom gosto, parabéns!
É verdade Cavalca, todas nossas tradiçoes estao ficando para traz, pois a tecnologia tambem tem o seu lado malefico, pois vai destruindo aquele sentimento nostalgico das coisas que estao em nossa volta, é uma pena, mas a internet e a propria midia, estao destruindo o que era mais valoroso em seus dias, o tradicionalismo das casas e do nosso pais.
A televisão chegou para se inserir no seio das famílias. Não para ser apenas mais um integrante, uma figura a mais, pelo contrário, ela invadiu a cena, roubando a atenção dos artistas principais: os pais, que sempre foram os educadores e orientadores dos filhos.
Com sua interatividade e atração que exerce sobre o telespectador, ela muda o jeito de falar e agir dos integrantes do lar, mudando todo o relacionamento daqueles que vivem sob o mesmo teto e também nas relações com outros grupos sociais.
O celular, com todos os recursos disponíveis, mantém a juventude desligada do seu entorno, conectada todo o tempo numa outra dimensão – o mundo globalizado.
Esta música, ao meu ver, fala justamente disso… e de todo o mal que isto representa.
Como sociólogo, sei também dos benefícios da mídia para o comércio e para comunidades afastadas dos grandes centros, mas temos um preço a pagar.
Geraldo Azevedo deixa para nós um grande alerta.
Adoro a música Dia Branco, de Geraldo Azevedo: “Se você vier pro que der e vier comigo/Eu lhe prometo o sol… se hoje o sol sair/ou a chuva… se a chuva cair…”.
Ele ficou muito conhecido com outros sucessos que Zé Ramalho gravou, como Táxi Lunar e a Terceira Lâmina.
Casa Brasileira é muito doce, é gostosa de se escutar e tem uma letra realmente linda, confesso que não a conhecia.
Gostei muito também da frase “E a televisão, essa lareira, queimando o dia inteiro a raíz que existe em mim.”, muito real para os dias de hoje onde estamos cada vez mais voltados para as tecnologias e nos afastamos do bate papo, da leitura, do cinema e de tantas coisas que nos aproximam mais uns aos outros.
Bela canção que me fez lembrar de mutas coisas, o pinguim na geladeira sempre presente na casa dos meus pais, a cristaleira que gosto e tenho em minha casa, a roseira que meus pais amavam e que sempre estava presente no jardim da casa, toalhas e lençois da Ilha da Madeira que tenho até hoje e fizeram parte do enjoval de meus pais, a, quantas coisas que essa letra trouxe à lembrança.
Aprendi muito com a interpretação que me trouxe muitas saudades.
Parabéns pela belíssima intrerpretação.
Se Geraldo Azevedo fosse repaginar sua Casa Brasileira, teria que colocar outros “temperos” nessa sua mistura.
De 1870 a 1950, o Brasil recebeu muitas outras culturas. Vieram italianos e alemães que se espalharam desde o Sul de Minas até o Rio Grande do Sul.
Em menor escala, chegaram também em outros navios espanhóis, poloneses e árabes.
Todos eles contribuíram muito para formar nossa identidade.
Por isso que nosso povo é tão bonito.
Vamos, Geraldo, dê roupa nova para a Casa Brasileira.
Quando jogo Xadrez com o Cavalcanti na minha casa, sempre escutamos a Rádio Itajubá (AM).
O som tem um sotaque bem mineirinho. É um programa que se chama Varanda Sertaneja.
Além da música pé de serra, o cara conta também uns “causos”.
Já a Casa Brasileira tem outro nível.
Representa bem a terrinha do Cavalcanti, porque o cantor é da terra dos seus pais: Recife.
A letra fala de nossa gente, nossa formação.
É tudo de bom.
Na Rua São Sebastião, tinha na casa de um pastor, Seu Joel, uma frondosa mangueira na qual todos podiam subir e se lambuzar com as frutas doces como mel, desde que, ao final, deixássemos o terreiro limpo. Muito corpulento, de voz grossa e fala mansa, o velho pastor me disse certa vez: assim como essa mangueira, tenho dia e hora para morrer. Eu era um menino, e aquilo passou só de um comentário triste, mas hoje percebo que ele só estava afirmando que tudo na vida era finito. Retornando àquele logradouro, não há mais a mangueira e Seu Joel vive apenas na lembrança dos mais velhos, confirmando assim suas palavras. Seguindo o princípio de que a vida é movimento e não estaticidade, é inexorável as mudanças e, com elas, as descobertas de melhorias para um bem viver.
Todos nós “carregamos” nossa casa interna e quando construímos nossa casa externa ela sempre tem o nosso jeito e carrega o que somos, de forma que uma casa completa a outra. Acho que é por isso que quando estamos fora nos sentimos tão perdidos. As duas casas se completam e nos encontramos inteiros. E em casa, sempre tem um cantinho que é mais nosso do que os outros; e esse é o nosso melhor lugar do mundo.
E como é maravilhosa essa diferença cultural, que faz de todos nós uma mistura “impensável” e deliciosamente perfeita.
Que linda interpretação de uma música tão linda também!
Parabéns!
“Quem constrói uma casa faz um poema. Por isso enchemos as casas de plantas, de quadros, de música, de livros. E que dizer da poética das gavetas, dos cofres e armários? Ah! Quanta poesia as gavetas podem conter, especialmente aquelas que são trancadas a chave! A concha, casa assombrosa dos moluscos, os cantos, a imensidão íntima: todos esses espaços estão cheios de poesia.” – Rubem Alves – “Ostra feliz não faz pérola”.
E como você é tão “craque” em dar nome aos bichinhos de estimação (amei o “Catarino”!), que nome daria para uma tartaruga, com sua fantástica casa ambulante?
Gisele, as “Tartarugas Ninjas” receberam nomes de artistas famosos, pintores e escultores renascentistas.
Eu tomei emprestado o nome do papagaio de um amigo de Natal, chamado Gabriel Felipe dos Santos.
Para a sua tartaruga, sugiro: Bilu, Kika ou Totó (para o caso de ser macho).
Obrigado por tantos comentário lindos.
Beijos, “Gi”.
E esse é o José!!! brasileiro sim….
Mais uma linda post.
A nossa casa brasileira também é um pouco de tudo… um pouco pixaim…
Linda música , bela melodia, ótimos comentários da sua parte. sinceramente nunca havia escutado esse poema musical..
Viva esses músicos brasileiros.. era uma casa de tons frescos… de janelas pintadinhas .. me lembra um pouco o Chico Buarque com sua gente humilde…vou aguardar essa post sua , e se já a fizestes publique-a novamente!!
Abçs fraternos caro amigo!
Era uma casa engraçada! No bom tom da palavra…. Havia uma cumplicidade e uma sintonia religiosa fervorosa!!! sincronismo diria!
A casa era dos santos na parede, e haja que eram muitos: São Sebastião , Santo Antonio , São João Batista e outros… ela estava protegida inclusive com a s armaduras de Jorge! a estante pequena com seus aparelhos… e o fogão de lenha dava o charme final ao aconchego da cozinha…como era gostoso sentar perto do fogão para aguardar que saisse um café forte!
Chegavamos da rua, e íamos direto olhar as panelas, ou comer um pedaço de rapadura, que ficava em cima da mesa devidamente forrado, e, quando dava sede tinha o pote com água fresquinha natural…
A casa era de várias etnias… e o melhor de tudo: Não tinha chaves, podíamos entrar a hora que quisessemos!!
Lindo tema…. quase que escrevi uma post.. rsss.. Valeu!!!