ABC x AMÉRICA
PAZ E AMOR
Vendo hoje a belíssima Arena das Dunas, recordo-me que neste mesmo lugar já esteve o Castelão, de 1972 a 1989, que depois se chamou Machadão, até 2011.
Antes destas modernas “poesias de concreto”, como diria Cortez Pereira, as alegrias da maior paixão natalense eram vividas na Vila Cincinato – hoje Praça Pedro Velho – e, a contar de 1928, no saudoso Juvenal Lamartine – JL, no bairro de Tirol.
O que irei contar pra vocês se deu nos últimos dois anos das despedidas do JL.
Era o dia 18 de outubro de 1970, uma tarde de domingo, data do meu casamento e, por uma infeliz coincidência, também de mais uma acirrada luta entre meu time do coração, o ABC, contra o arquirrival América – rixa que teve início entre os dois clubes em 1915.
Nossa cerimônia religiosa havia sido encomendada por minha futura esposa ao padre Francisco, um amigo da família dela, o qual era vigário na Igreja Nossa Senhora das Graças, localizada à Rua Jundiaí.
Lia sabia que eu e meus amigos, nas horas vagas do trabalho, éramos peladeiros e loucos por futebol. Ela tinha certeza que tudo isso logo passaria e alimentava o sonho de se tornar o centro e o sentido de minha vida.
Para isso se concretizar, um grande passo Lia havia conquistado. Ela, que batia um bolão, iria acabar minha fama de solteirão mais convicto de Natal.
Por coincidência, o palco daquele confronto, entre as duas maiores torcidas potiguares, ficava ali pertinho do templo, tão próximo que um ouvido mais apurado poderia até escutar o andamento do jogo e o calor da disputa, pelos gritos dos mais inflamados.
O tempo que escorria lentamente para minha noiva era o mesmo que, para mim, parecia ter asas. E aquele último sábado não poderia passar em branco. Para marcar, reuni minha turma para uma despedida num barzinho na Praia dos Artistas.
Finalmente havia chegado o grande dia. A manhã passou rapidinho, e veio a tarde com o corre-corre do casamento.
Enfim, era chegada a hora do início da boda, e minha noiva, sem um minuto de atraso, já estava a ponto de entrar na igreja. Enquanto o juiz apitava o início da peleja, os clarins tocaram lindos acordes, anunciando o começo do evento.
Eu estava nervosíssimo porque meus amigos, Mandu e Baluá, também abecistas doentes, ficaram de me reportar o andamento da partida. O primeiro ficava, lá fora, com o radiozinho de pilha colado ao ouvido e o segundo fora até a porta do estádio para me atualizar sobre o resultado final dos dois tempos.
Enquanto isso, Lia caminhava lentamente, exibindo seu sorriso mais lindo para nossos convidados, que mais pareciam torcidas organizadas. Ao mesmo tempo em que seus sapatinhos brancos pisavam a passarela verde, eu podia imaginar as chuteiras dos craques, fazendo toques, fintas e peripécias no gramado.
Antes de o meu futuro sogro me passar sua filha, Mandu acenou com o símbolo clássico de OK, indicando o placar de 0 x 0. Com o andamento da cerimônia, apareceu novamente, agora erguia os indicadores, indicando 1 x 1. Aquilo me deixou em pânico, e o nó da gravata parecia me apertar mais ainda o pescoço.
Lia, com sua alegria de sempre, parecia ler e compreender meu nervosismo, pois ela sabia ser comum um noivo ficar nervoso e suar muito. Embora ela nem desconfiasse o que realmente estava se passando, podia imaginar também que o casamento representava um adeus à vida de farras e boemias com meus amigos, fora as muitas responsabilidades que iriam advir a partir daquela data.
Já de costas para a plateia e de frente para o padre Francisco, Lia escutava atentamente a mensagem do pároco, o que para mim aquilo tudo era um ruído, pois estava atento aos rumores lá de fora.
Quando finalmente o padre fez a famosa pergunta: “- Se alguém tem algo contra a união entre José Leal e Elisabete Barreto, que fale agora…”
Antes de terminar sua fala, o padre foi interrompido por um jovem que havia entrado de repente na igreja, com uma expressão de correria e cansaço.
– Sim, meu filho, pode se pronunciar! – Disse o padre.
Era Baluá, chegando em hora indevida, trazendo notícias frescas do final do jogo no JL.
Todos se voltaram para o rapaz, que parecia um tanto confuso por ser agora alvo de todas as atenções.
Como ele sabia que não poderia tocar no tema do futebol, ergueu os dedos indicador e médio da mão direita, abertos em forma de V, e, antes de exclamar, o pároco perguntou:
– Jovem, o que você quer insinuar com este dois dedos apontados para cá? É algum caso de traição?
– Seu padre, me desculpe pela interrupção, é que sou o melhor amigo do noivo, e quero somente desejar ao casal PAZ E AMOR.
A noiva, os convidados e familiares foram no mesmo minuto do susto à emoção. Até o padre ficou mais aliviado, já que aquela espécie de último e tradicional proclame sempre acaba bem, sem contratempos.
Quando o padre finalmente disse: “- Eu os declaro marido e mulher!”, Lia percebeu uma alegria imensa no meu rosto.
A razão era simples. Somente eu havia compreendido que os dois dedos erguidos e o sorriso de Baluá representavam que o ABC havia vencido mais um confronto histórico contra nosso maior adversário.
Era um bom presságio, justo no dia do meu casamento. Significava que eu havia feito a maior jogada da minha vida num dia de muita sorte.
kkkk
Cara, ri muito… imagino que isso se dá na vida de muitos torcedores fanáticos, como eu.
Muito bom
Essa igreja faz parte do complexo das irmãs devotas de Nossa Senhora e que se mantém reclusas em orações. Certo dia fui fazer o paisagismo do jardim interno e a Madre me disse que era para evitar olhares para as freiras. Passamos o dia todo montando o jardim e nenhuma apareceu curiosa com o nosso vai e vem.
Fiquei feliz com a história que revela a paixão do brasileiro por futebol, afinal, como disse Nelson Rodrigues: somos a pátria de chuteiras.
Em Natal não podia ser diferente e somos representados por três times: o ABC, o mais querido, tem como mascote o elefante, o América, o mecão, que usa o dragão e o Alecrim, o verdão, que tem o periquito como símbolo.
O Bairro de Petrópolis era a arena dos esportes, pois lá estava situada a sede do ABC, do América, o estádio Juvenal Lamartine e o Palácio dos Esportes, um ginásio poli-esportivo.
Gostei também do resultado final que deu a vitória ao mais querido.
Valeu ABC!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Fico impressionado com a beleza da Arena das Dunas.
Estou aguardando lá dentro pela inauguração prometida do museu do futebol do RN.
Com certeza ali veremos os grandes eventos da bola, vividos no Juvenal Lamartine, Castelão e Machadão, nos pés dos geniais Mandu, Baluá, Jorginho, Dequinha, Marinho Chagas, Scala, Alberi, Nonato, Danilo, Noé e muitos outros, em confrontos históricos entre ABC, América e Alecrim.
Por influência de Pelé, aprendi a amar o Santos.
Não sou desses torcedores doentes, mas vibro com as vitórias do meu clube.
Hoje acompanho mais pela tv e outras mídias, perdi um pouco a vontade de ir aos estádios. A copa do mundo será uma oportunidade para comparecer lá de novo, sentir a euforia de milhares de pessoas torcendo pela nossa seleção.
Hoje será inaugurada a Arena das Dunas, a presidente Dilma dará o pontapé inicial nessa belíssima obra.
A história acima relatada nos mostra mais ainda a paixão nacional que o brasileiro tem pelo futebol.
Imagino a ansiedade do José Leal em ter que dividir seu coração entre o seu casamento e a partida de seu time querido.
Não sabia se prestava atenção nas palavras do padre ou nos amigos que ficavam passando através de códigos o resultado do jogo.
Mas tudo deu certo e ele pode coordenar tudo e viver os dois momentos.
A paixão do homem pelo futebol tem que ser respeitada por nós mulheres para levar uma vida com harmonia.
Linda história que faz também uma homenagem para a mais nova obra de Natal, a Arena das Dunas.
Desejo que lá os jogos sejam bonitos e que favoreçam a nossa vitória.
Quando o gigantesco Maracanã foi construído, para a Copa do Mundo de 1950, também houve muito protesto da população, depois o estádio passou a ser um orgulho para o povo carioca.
O mesmo ocorrerá com a Arenas das Dunas, uma obra de encher os olhos do mundo.
Torcedores reclamam do preço dos ingressos, mas ninguém deixa de ir vibrar por seu time.
É paixão mesmo, a coisa está na alma e no sangue dos fanáticos torcedores, como é o caso do abecista doente da sua história.
Alguns sociólogos amigos meus defendem que as brigas de torcidas de hoje é o mesmo que ocorria naquela Natal do passado. Havia confrontos terríveis, verdadeiras brigas campais entre “xarias” (comedores de xeréu – peixe nobre – designação dos habitantes da Cidade Alta) e “canguleiros” (comedores de peixe comum – nome dados aos habitantes das Rocas e Ribeira).
Tais pelejas, que se davam por conflitos e diferenças sociais, são traduzidas hoje por manifestações de torcidas organizadas, vestindo preto e branco ou vermelho e branco. Percebe-se que a coisa não é muito diferente daquilo que acontecia nas antigas, pois os torcedores abecedistas são formados pelas camadas sociais mais simples, da “frasqueira”, como diz o próprio hino do clube; e os fãs do América são oriundos de camadas sociais mais altas.
Talvez meus camaradas estejam certos, e esta talvez tenha sido a fórmula encontrada para eternizar a velha disputa de bairros e de classes.
Quando eles vão ao gramado, no caso hoje a bela Arena das Dunas, são divididos em áreas pré-determinadas e ali torcem por seus times do coração.
Alguns torcedores, com os ânimos mais à flor da pele, são capazes de travar verdadeiras lutas corporais para defender seu clube.
Com sua narração textual, descobri parte da história de nosso futebol e também me diverti muito.
O amor pelo time do coração é tão forte em alguns torcedores que não adianta agendar outro compromisso em dias de futebol. Estando realizando o Forró do Zé Patró, festa junina em frente a nossa casa em Candelária, Natal, RN. Contávamos com um marcador profissional, que era nosso amigo e que só sua presença já era motivo de festa, pois ele promovia alegria na fala em suas marcações de quadrilha. O horário estava combinado para as vinte e uma horas, mas o marcador brincalhão não apareceu. Fomos a casa dele e lá o encontramos amuado na cama e o motivo tinha sido a derrota do seu time, o América. Não houve como convencê-lo de que ninguém iria debochar do fracasso do time dele.
Para nos convencer em deixá-lo sossegado ele nos disse:
– Não tem como, mas mesmo que não manguem só vou ter ânimo amanhã para sair de casa.
Tivemos que improvisar outro marcador para animar na hora da dança da quadrilha improvisada.