Loving You
TRILHA SONORA DA SAUDADE
Nossa família sempre foi movida a saudades e ciúmes.
Saudades dos muitos lugares vividos e de pessoas queridas que ficaram lá atrás, no correr da estrada, nas dobras do tempo.
Com nossos pais, éramos 11 pessoas a ocupar os espaços da Casa nº 50, na Rua São Sebastião – bairro das Rocas.
Não era fácil sustentar tantas bocas e dar educação, mas havia uma mão maior, gerenciadora, que cuidava da casa, dos víveres e dos sentimentos.
As meninas menores, mais caseiras, reclamavam das atenções que recebia a irmã mais velha, e todas invejavam o tempo de amamentação da moça branca, a irmã do meio.
Os meninos, rueiros, viviam do que sobrava do afeto que ganhava o irmão mais velho.
Todos, meninas e meninos, iriam ter motivos de sobra para invejar o primeiro varão, Francisco.
A motivação se deu depois do regresso de nossa mãe do coração do Planalto Central. Ela empreendeu a mais longa viagem de sua vida na tentativa de rever sua querida progenitora. Seguiu com o coração apertado, afinal, já havia se passado 15 anos depois daquela triste partida em Pau dos Ferros, num fim de tarde de junho de 1959.
No longo trajeto da ida, rememorou passagens e paragens daqueles muitos anos, no seu empoeirado baú de lembranças.
Corria contra o tempo, pois que o telegrama pedira urgência. Na companhia de seu irmão e cunhada, Antônio Pedro e Zefinha, nada se falou sobre aniversário, pois não havia clima pra comemorar seus 41 anos na estrada. Depois de duas noites mal dormidas e se alimentando de bocados, às correrias, finalmente puseram os pés no Plano Piloto. Por causa da viagem longa, logo se deram conta que havia muito pesar nos semblantes dos familiares. Perceberam que chegaram tarde e já não havia tempo para despedidas, pois o falecimento ocorrera 48 horas antes, no dia 14 de janeiro de 1974.
Daquele esforço empreendido para ver a mãe viva, restou o carinho do reencontro com irmãos e irmãs, conhecer os sobrinhos candangos e esperar pela missa do sétimo dia.
Retornaram no dia 23 de janeiro com as despedidas carinhosas de toda família. Francisquinha aproveitou um lapso de tempo para fixar um último olhar no seu pai, recordando a promessa dele de ir revê-los no fim do ano, em Natal e Pau dos Ferros.
De volta ao lar, ainda enlutada, recebeu outra notícia inesperada. Seu marido, com os contatos reacendidos com os familiares distantes, achou por bem enviar o filho mais velho para aprender uma profissão em Brasília, pedindo ao tio Bila, dono de oficina, que cuidasse de sua formação.
Cleto, um homem do mundo, tinha suas razões por enxergar mais longe, pois que temia certos envolvimentos do seu filho com jovens sem futuro, cabras das Rocas.
Sensibilizado com a dor da esposa, deixou o menino completar 15 anos, mas seguiu firme no seu propósito. Como sabia do amor do garoto pelo futebol, deixou também passar a euforia dos jogos da Copa do Mundo, resolvendo cumprir sua palavra perto do fim do ano, depois que as resistências da esposa estivessem diminuídas.
Sentindo-se impotente, difícil mesmo para Francisquinha foi o preparar a mala do nosso irmão naqueles dias de novembro.
E aquela jornada de dois dias até a nova capital do país seria mais interessante para o rapazola se não fosse o fato de ter que se apartar da família, dos muitos amigos da bola e do vinil, suas duas grandes paixões.
Duro mesmo foi o chororô que se deu de nossa mãe, que relutou muito para não ter aquela espécie de segunda perda, mas cedeu à determinação do marido.
O terminal de ônibus da velha Ribeira assistiu ao cenário triste daquela partida. Pelo vidro lateral, o rapazinho acenava e tentava em vão pôr alguma graça no seu sorriso.
Como tudo era novo, pouco se importou com o longo percurso rodoviário. Após chegar à capital do país, ficou, por pouco tempo, com tio Bila e tia Maria. Dias depois, foi parar na casa da tia Neném e do tio Afonso, que tinham filhos na mesma idade.
A saudade de casa, Francisco só diminuiu com o carinho envolvente da família dos Anjos. Com os primos e primas se divertia, vivendo momentos felizes, inclusive sem perder o contato com a bola e com a música.
Enquanto Francisco vivia de aprendizagem e aventuras com tudo que era novo, sua mãe, em terras potiguares, desmanchava-se em lágrimas. Aquela lacuna aumentou muito com a aproximação do Natal daquele primeiro ano de ausência e carências.
Após a virada do ano, veio o dia 05 de março de 1975, data do aniversário de dezesseis anos de Francisco, na qual a ligação materna cresceu mais ainda.
Em novembro, quando completou um ano daquela agonia, Francisquinha teve uma grata surpresa ao escutar, pela primeira vez, a música “Lovin’You”. Um tema musical que surpreendentemente passaria a preencher sua solidão.
E partir daí, quando o radiozinho tocava a música, os afazeres ficavam em segundo plano. Ela largava o que estivesse fazendo e corria para colar o ouvido no aparelhinho e ali ela curtia a saudade até o último acorde musical.
Todos ficavam remoídos de raiva por aquela demonstração de amor, já que ninguém era de trocar beijos e abraços.
As meninas se sentiam menos queridas, e os meninos extravasavam o sentimento retirando das paredes do quarto os pôsteres dos ídolos do irmão. Tentaram também dar fim nas pilhas dos discos, mas foram freados pela mãe, zelosa pelas coisas do filho.
Aquele aperto só iria acabar após o aniversário de 17 anos do filho querido.
Cleto, percebendo que aquela distância estava tornando a esposa cada dia mais triste, apegou-se na aproximação do alistamento militar, do seu agora rapaz, para dar um basta naquele sofrer. Usou também o argumento que a primeira filha, Gracinha, iria se casar, por isso queria a família toda reunida.
Com o tempo, fomos entendendo o amor imensurável de nossa mãe por todos os filhos e o tamanho que cada um ocupava no seio da família.
Em 1976, Francisco retornou, exibindo-se com seu novo visual e tendo na mão um toca-fitas de dar inveja aos amigos de sua turma.
Aquela experiência foi marcante pra todos.
Até hoje este querido irmão ainda é motivo de verdadeiros ciúmes, pois que goza do privilégio de todos os dias tomar o café da manhã com nossa mãe.
Embora ela jure que não, mas é com ele que ela tem e guarda segredos e, para ele, faz um desjejum de invejar qualquer hotel cinco estrelas.
Não é à toa que ainda hoje nossa mãe se desmancha quando escuta Lovin’You.
Outros saíram de casa só pra ver se causariam uma saudade igual ou parecida.
Que nada, Francisco foi o único a ser alvo de saudade com trilha musical.
Aos outros restam somente queixumes.
Minnie Riperton, cantora americana de Los Angeles, viveu muito pouco. Ela morreu de câncer, com apenas 31 anos.
Depois que partiu para a carreira solo, produziu um grande hit de sucesso, a música Loving You, do álbum Perfect Angel (álbum de 1974), um sucesso romântico da década de setenta.
Sua carreira de cantora e compositora foi de 1962 até 12 de julho de 1979, data da sua morte.
Uma pena que ela teve uma vida tão curta, imagine quanto sucesso ainda faria com sua linda voz e talento para compor.
Lembrei da passagem bíblica do filho pródigo, pois não são os que estão por perto que preocupam e sim os que estão distantes, longe dos seus cuidados, que despertam a aflição dos pais. Uma bela história familiar, visto que retrata bem as impressões causadas em quem gosta, em quem se importa, em quem quer ver sempre por perto todas as suas crias. Por isso o amor materno é incondicional, não espera retribuições. Quando uma mãe beija um filho, está beijando toda a família, pois quando um irmão faz sucesso é orgulho para todos os outros. O ciúme é como gesso, que se não for bem trabalhado não gera belas obras de artes, visto que se não controlá-lo, de todo jeito fica rígido em formato sem atrativo algum. Nessa quarta feira de cinzas, 05/03, é o dia dele, meu irmão mais velho, Francisco, o nosso Dedé. Que esse dia seja só de alegrias e de compromissos com a felicidade. Parabéns!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Feliz aniversário!!!!!!
Adorei, minha mãe nasceu em S. Miguel de paus de Ferro era uma pessoa fantástica essa mãe se parece muito com ela!
Abraços
Maria Araújo
Enviado via iPhone
Suas palavras meu irmão me levaram de volta a um período de sonhos da minha vida – dos 14 aos 17 anos.
Ser jogador de futebol estava no meu sangue, assim como dos amigos de minha turma.
Recordo que cheguei a ver de pertinho Pelé com a delegação dos Santos em 1974, antes de ir para o Cosmos, o furacão Jairzinho pelo Botafogo em 1974, antes de ir para o Olympique de Marseille, Tostão em 1973 pelo Vasco, Gerson pelo Fluminense, Zico, o Galinho de Quintino, de 1972 a 1975 e outros craques de bola que me faziam mais ainda desejar ser um jogador de futebol.
Com quase 16 anos, segui para a capital do Brasil. Na capital federal, joguei pelo CEUB, que era um clube que já havia representado Brasília nos campeonatos nacionais dos anos de 1973, 1974 e 1975. Soube que no ano seguinte, por um desentendimento com a confederação, o Centro de Ensino Unificado de Brasília cortou os investimentos no futebol, retirando a equipe e encerrando suas participações naquela atividade esportiva.
Joguei naquele clube junto com meu primo Rubismar, o filho mais velho de minha tia Nenen e de meu tio Afonso dos Anjos.
Como não houve um retorno satisfatório no futebol, retornei para Natal focado na música e na bossa nova, que estava em evidência por aqueles idos.
Desembarquei na Rodoviária de Natal me achando o máximo, trajando uma camisa de manga comprida estampada de bolinhas, uma calça de veludo com uma nesga nas pernas para enfatizar a boca de sino, sapato de camurça com solado de pneu e com cabelos black power, que estava em moda.
O cabelo não durou um dia, pois meu pai, logo que viu os meus cachos parafinados, mandou cortá-lo o mais rápido possível. E aquele gesto me fez voltar à realidade e a compreender que eu não teria muita chance de emprego com aquele visual.
Na minha bagagem veio comigo um gravador toca-fitas portátil, de marca Phillips, com o qual iniciei uma nova atividade em Natal. Comecei a fazer gravações de fitas de videocassete com as músicas de maior sucesso da época.
Assim como Loving You, Feelings fazia muito sucesso com Morris Albert. Na época, chegou a bater os três milhões de discos vendidos.
Por sua história fiquei sabendo, com riquezas de detalhes, da ciumeira que causei e da saudade sentida por nossa mãe.
Dou graças a Deus pela união de nossa família e por nossos pais, que muito fizeram para nos dar uma vida primeira de luxo.
Muito obrigado pela sua grande homenagem, no dia do meu aniversário.
Belíssima história que nos prende ao texto sem querer parar de ler.
Gosto muito dessas histórias de família, principalmente quando conheço os envolvidos.
Já tive a oportunidade de presenciar várias vezes o café da manhã cinco estrelas que esse filho tão querido desfruta todos os dias.
Lindo e emocionante é ver o carinho que a mãe dedica a essa espera e ao ciúme causado a todos os filhos, ciúme que sempre é compensado com muito amor e carinho, pois essa mãe tem um coração para lá de grande, sem tamanho.
Gostei muito do relato de Dedé, o homenageado, e de ler suas lindas e comoventes palavras. Muito gostoso saber um pouquinho da sua história.
Após ler esta linda história, penso que esse amor tão causador de ciúmes, e que leva Dedé todos os dias a casa de sua mãe para tomar o café da manhã com ela, se deve ao tempo em que eles estiveram afastados. Esse acontecimento serviu para uni-los mais ainda.
A música Lovin’You. que tantas lembranças traz à mãe querida ficará ainda mais marcada para mim, pois lembrarei sempre deste lindo texto que relata uma linda e sincera história de amor.
Parabéns ao autor José Maria Cavalcanti pela grande homenagem ao seu irmão no dia de seu aniversário.
Parabéns Dedé por mais este ano de vida e pela união dessa linda família.
Todo mundo deve lembrar de Sandra Honda em The Voice Brasil… ela deu show… é afinada e tem voz divina…
escutei sua voz fiquei fã dela… para mim ela passou a ser a favorita…
Busquei outros videos dela no youtube e descobri mais sobre ela…
Foi buscando pela musica Loving You descobri seu blog e sua historia…
A voz de Minnie Riperton é maravilhosa… mas essa menina não fica atrás… assim com a da cantora coreana Lee Ji-eun, de 20 anos… ela tá no video publicado aqui.
Gostaria de escutar aqui mais musicas em ingles…
Quer coisa mais gostosa que uma grande reunião de família?
Imagino como deve ser, Cavalcanti, pois sei que você tem muitos irmãos e irmãs.
Na minha casa somos quatro e já dá muitos ciúmes entre nós.
Aqui conheci um pouco mais sobre sua família e revivi momentos da minha própria vida, já que os anos 70, 80, 90 marcaram muito para mim.
Quanto evolução houve na música: vinil, fita cassete, cd, dvd, pen drive e por aí vai.
Bela passagem da sua vida familiar.
Por um bom tempo os cafés da manhã na casa 3429, Candelária, Natal, foram direcionados as comemorações natalícias dos membros da família Cavalcanti. Eram momentos de integração familiar regado a sucos, saladas de frutas, cafés frescos, tapiocas recheadas, cuscuz e uma variedade de pães e bolachas. Fora idealizada uma caixinha só para arrecadar os gastos anuais com esses eventos. Numa família de nove irmãos quando algo é rateado não fica oneroso a parcela que cabe a cada um. Tudo funcionava muito bem, porém o agradável momento foi se estendendo e logo estávamos adentrando o horário do almoço e as vezes chegando até o momento de servir o jantar. Eram dias festivos que já não mais cabia em adquirir os produtos em uma padaria de conveniência e sim realizar uma verdadeira feira em um grande supermercado. O movimento que era só no entorno da mesa passou a ocupar a casa toda, em que a cozinha era o local mais movimentado. O que era uma manhã só de risos e um farto desjejum, transformou em uma peregrinação de um constante preparar de pratos das refeições e de apetitosos tira gostos para acompanhar a cervejada. Tudo dava pra ser conciliado se fossem realizados aos domingos e feriados com todos podendo ajudar nas tarefas, contudo todos trabalham e ninguém quer abrir mão de comemorar sua data natalícia em outros dias. Até hoje o café da manha na casa 3429 é disputado pelos irmãos que por algum motivo encontram tempo de passar lá, todavia de todos os irmãos o único que tem cadeira cativa é Dedé, que não abre mão de fazer companhia a nossa mãe nos dias da semana.