Amora
COR DA AMORA
Flora vivia de sonhos em Encantado, povoado de fachadas coloridas.
Embora as ruas fossem de chão batido, as casinhas eram todas bem pintadas num bom gosto de encher os olhos.
Ali quase todos viviam do campo, principalmente do cultivo e venda de rosas.
Quem passava por aquelas bandas podia ver a vastidão mais linda dos roseirais.
E aquela estradinha vicinal era o acesso único para a pequena vila. Por ela saía a produção e também entrava o leiteiro, o verdureiro, o padeiro e até Elias, o esperado mascateiro, na sua carroça com cobertura.
Elias, uma vez por quinzena, passava por aqueles lados, com suas mercadorias. Pouco havia pros homens, a não ser pente, brilhantina, perfume e chapéu. Quase tudo tinha como alvo a mulher.
Todos aguardavam por aquele dia, e pouco ou quase nada sobrava dos seus estoques naquelas suas andanças.
Flora, agora se sentindo mulher, queria algo pra chamar a atenção de Dino, pois que sentira seu amado um tanto distante.
Eles cresceram juntos, brincaram muitas vezes e desfrutaram do doce sabor das amoras dos quintais das casas.
Era sempre assim, os lábios da menina, depois da comilança, ficavam sempre avermelhados e acendiam a paixão do menino.
O tempo foi passando, e eles viviam um amor sem palavras, traduzido por olhares que falavam coisas incríveis.
Já grande, Dino passou a ter muitos afazeres com o roseiral e parecia não ter mais olhos para Flora.
Ela sentia que precisava dar um jeito naquilo, antes que fosse tarde. Por isso não perdeu mais tempo, atalhou a carroça do vendedor, antes da chegada à pracinha, onde estavam suas muitas freguesas, já ansiosas com a demora.
Despojada de sua costumeira timidez, foi logo falando:
– Senhor, preciso ficar bonita pro meu namorado!
– Moça, os olhos dele é que precisam ser curados. Você é mais que linda… é relinda!
Flora fez seu ouvido mercador e se pôs à busca por entre as caixinhas de miudezas. Não sabia exatamente o que procurava, mas confiava no seu sexto sentido. Tinha certeza que alguma coisa iria fazer seu coração bater mais forte.
Elias, que acordava muito cedo, já estava esfomeado e não tirava os olhos das frutas que a moça trazia na cesta. Mas tinha que cuidar do seu serviço e tratou de focar na possível venda.
Mostrou pra mocinha um lindo lenço, dizendo:
– Que tal pôr outras cores neste lindo rosto? Olhe aqui no espelho – acrescentou.
Em seguida demonstrou como fazer um belo colar de miçangas.
– Veja que basta mudar algumas peças para formar outra linda bijuteria!
Flora viajava nas ideias de Elias e se imaginava toda bonita para Dino, mas sabia que faltava alguma coisa que ainda não havia encontrado.
Suas mãos ávidas fuçavam entre as bugigangas. Seus achados não passavam de espelhinhos, escovas, pequenos secadores de cabelos, sabonetes, cremes, mas faltava algo especial. De repente, deu de cara com um estojinho muito lindo. Dentro havia pequenas barras de lábios em vários tons de vermelho. Aquilo fez acelerar sua respiração, e seus olhos brilharam de emoção.
Elias, que acompanhava as reações da compradora, logo se deu conta que a cliente estava diante do seu achado.
– Senhor, posso pagar tudo com amoras? Sou também vendedora e sei que facilmente meu produto terá saída nas suas mãos. Volto sempre com as mãos vazias pra casa, quando saio de porta em porta. O senhor não vai se arrepender! Por favor, diga que faz?
Elias riu surpreendido com a proposta incomum. Como não costumava fugir de uma negociata, principalmente também porque estava com fome, foi em frente. Assegurou-se de ter uma boa margem de lucro e fechou negócio, deixando a mocinha numa alegria indizível com o lenço, o colar e o estojinho.
Flora esperou a noite cair e se fez mais linda, chamando mais a atenção que a lua que esparramava luz dourada sobre as fileiras de rosas.
Não tinha certeza se seu bilhetinho chegaria às mãos de Dino e que talvez ele não viesse àquele encontro noturno.
Não queria outro lugar, ali mesmo, debaixo daquela amoreira, eles se conheceram. O local estava carregado de memórias que Flora poderia até enumerá-las por grau de importância.
Cansada de esperar, ficou triste. Agora havia muito a duvidar. Quem sabe ele tem outra, e tudo é coisa só da minha cabeça…
Quando finalmente resolveu ir embora, Dino chegou correndo, reacendendo sua esperança.
Flora ficou numa alegria só e pensou em correr pros braços de Dino, mas resistiu à tentação, pois queria ter certeza daquilo que ele sentia.
Eles se olharam por um longo tempo. O longo filme da infância deles girou… Os dois se davam conta do quanto estiveram sempre juntos, como num romance, sem declarações de amor e o costumeiro beijo. Finalmente sorriram e se abraçaram.
– Flora, esperei muito este momento. Você quer ser minha namorada?
– Sim, é tudo que quero!
Dino nem pôs reparo no lenço ou no colar, apenas tinha olhos para aqueles lindos lábios vermelhos, que sempre estiveram presentes em sua mente, alimentando o desejo de um dia selar seu amor com um beijo.
Autor José Maria Cavalcanti
Muito linda essa história! Senti fazer parte da personagem Flora lembrando minha infância distante…
Amigo…
Linda história… pena que não consigo mais comentar por lá… Parabéns… Dá mensagem de senha errada no email que uso… e não publica!!
Mas adorei a cena!! Abçss..
Saudade de roça… de amoras …de fruta madura colhida no pé..
Penso que deve ser doca a fruta do coração tbm…
Muito boa escolha do Renato Teixeira…tudo a ver!! rss…
Parabéns pela sutileza em retratar o amor… puro… doce… e gentil como são as frutas… as miçangas… o carmim dos lábios de alguém apaixonada! rss..
Tenho andado sem inspiração para escrever no blog… mas acho que depois dessa leitura surgirá novo insight!! rss
Consegui comentar, pelo blog… mas acabei errando a palavra doce… acho que me empolguei no comentário… Resalvo: doce…
Corrija lá! abçs…
Só sendo coisa de poeta em nos presentear, no dia dos namorados, com esse belo conto de amor.
A comemoração da primeira vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo roubou o clima romântico do DIA DOS NAMORADOS, deixando os bares cheios e os restaurantes vazios.
Ainda bem que sua história nos deixou o tempero gostoso que deve haver sempre entre os que se namoram.
Há no seu texto simplicidade, pureza e muita sensibilidade, parabéns!
Que pureza e que delicadeza nesse conto.
O amor verdadeiro e puro está sempre presente no coração de quem ama de verdade.
Para Dino os lábios vermelhos de Flora eram a lembrança do primeiro amor, não foi necessário lenço e nem colar para reacender a chama do o seu amor pela linda moça.
A linda música amora de Renato Teixeira trouxe uma beleza maior a essa linda história de amor especialmente no dia dos namorados.
Parabéns pelo conto e viva o Amor.
Te amo muito meu eterno namorado.
Quem tem um amor na vida, tem sorte. – Zé Ramalho
Lendo esse belo texto lembrei da entrevista de Nicete Bruno quando no velório de seu marido Paulo Goulart: …sempre procurei me manter linda para esperá-lo diariamente em casa…acho que nosso relacionamento se baseava em um agradar ao outro.
Flora não queria só chamar a atenção de Dino, mas se mostrar linda para seu amado, algo que tá ficando cada vez mais difícil de se ver, devido os atropelos do dia a dia que promovem o relaxamento do zelo que se deve ser dado aos relacionamentos amorosos, fazendo com que os casais se esqueçam que o casamento é só uma formalidade para eternizar o namoro.
Sortudo(a) daquele(a) que teve no seu amor de infância a conquista alcançada. Pois é o mais puro e inocente por ser o primeiro, que é feito de juras eternas de compreensão e parceria.
Pombinhos nus de pecado, Adão e Eva antes da tentação, tão bonito, tão gostoso, tão intenso e tão pretensioso que não se dá conta que nada é eterno. Saudades.
E Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só…”
E como Ele também queria trazer a existência um povo, para isso, percebeu que ao lado do homem faltava a presença feminina, não só para conceber filhos. Mais que isso, Ele a fez para ser o complemento do homem, por isso é que, sem ela, o homem é só vazio, tristeza e solidão.
Não é por acaso que entre os jovens surge cedo essa atração tão linda.
Enquanto houver homem e mulher, haverá sempre o amor.
Flora e Dino vivem e repetem a mesma história de muitos amores vividos por outros casais como Adão e Eva, Páris e Helena de Troia, Tristão e Isolda (lenda da Irlanda), Romeu e Julieta (Verona), Jack e Rose (Titanic), Vada e Tom (Meu Primeiro Amor), Sam e Molly (Ghost), Vivian e Edward (Uma Linda Mulher), Scarlett e Rhett (E o Vento Levou), Rick e Ilsa (Casablanca).
Muitos outros ainda virão para reeditar a história do primeiro casal do Paraíso.