Músicas

ANÁLISE DE LETRAS DE MÚSICAS

CHICO BUARQUE, CAETANO, MILTON, GIL, ZÉ RAMALHO, RAUL SEIXAS E MUITOS OUTROS TALENTOS MUSICAIS DA NOSSA MPB TERÃO SEUS TRABALHOS ANALISADOS NESTE CANTINHO MUSICAL

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Analisar as letras das músicas destes grandes talentos da MPB não é tarefa fácil. Músicas com mensagens inteligentíssimas, como as de Chico Buarque, que eram verdadeiros panfletos políticos, carregados de teor metafórico, com uma linguagem cifrada, pronta para ser decodificada por seus ávidos fãs em um período difícil, vivenciado por todos eles na década de sessenta. Caetano, Milton Nascimento e Gil compuseram também canções emblemáticas, que vamos carregá-las para sempre em nossos corações. Raul Seixas, nosso maluco beleza, compondo suas enigmáticas e filosóficas letras, ganhou muitos seguidores no ritmo do rock.

Poderíamos começar o quadro de Análise de Letras de Músicas com qualquer um deles, mas Zé Ramalho foi o escolhido com a música:

CHÃO DE GIZ

Eu desço dessa solidão, espalho coisas sobre um chão de giz
Há meros devaneios tolos a me torturar
Fotografias recortadas em jornais de folhas amiúde
Eu vou te jogar num pano de guardar confetes
Eu vou te jogar num pano de guardar confetes

Disparo balas de canhão, é inútil pois existe um grão vizir
Há tantas violetas velhas sem um colibri
Queria usar quem sabe uma camisa de força ou de vênus
Mas não vão gozar de nós apenas um cigarro
Nem vou lhe beijar gastando assim o meu batom

Introdução

Agora pego um caminhão, na lona vou a nocaute outra vez
Pra sempre fui acorrentado no seu calcanhar
Meus vinte anos de “boy, that’s over, baby” , Freud explica
Não vou me sujar fumando apenas um cigarro
Nem vou lhe beijar gastando assim o meu batom
Quanto ao pano dos confetes já passou meu carnaval
E isso explica porque o sexo é assunto popular

no mais estou indo embora 3x

No mais…

Uma análise da música do cantor Zé Ramalho feita no embalo do som maravilhoso deste artista nordestino.

O poeta é volúvel, está sempre se apaixonando (a fraqueza do seu calcanhar), principalmente quando se é muito jovem.

Zé Ramalho compôs esta música com “Meus vinte anos de boy”.

Primeiramente concordamos se tratar da relação homem e mulher. Agora trataremos de decifrar a idade  que tinha a musa. No verso “Há tantas violetas velhas sem um colibri”, poderemos inferir que a amada era mais velha que o jovem artista e que ele desdenhava dela por não mais receber suas atenções. Em contrapartida, ele”dispara” contra ela e faz ameaça, dizendo ser um colibri, livre para buscar novas rosas ou até mesmo outra violeta velha.

Ela era uma mulher da alta sociedade, certamente famosa. Deduzimos isto no seguinte verso: “Fotografias recortadas em jornais de folha, amiúde”. Ele acompanhava a vida dela por meio da imprensa, guardando tudo a seu respeito. Com o afastamento que se deu, o amor dele se tornou platônico. Dali em diante, poderia apenas contemplá-la, mantendo-se distante.

Quando se dá conta que para ela tudo havia passado e acabado (that´s over), ele extravasa: “Não quero te beijar gastando assim o meu batom”  “Quanto ao pano dos confetes já passou meu carnaval”; e “No mais estou indo embora”.

Com as palavras “Meu carnaval…” o poeta associa que para ele foi como uma festa frenética, movida a uma alegria efêmera.

Ele finalmente desiste dela ao perceber que para ela foi tudo como uma espécie de brincadeira de criança, que se diverte sobre os traços desenhados no chão, riscado com giz.

As relações amorosas causam impactos e geram muitas expectativas nas pessoas. Em algumas mais e em outras menos. Às vezes, o outro não entende que tudo acabou ou que nada havia e enlouquece (vai uma camisa de força aí) na busca das razões de ser desprezado ou mesmo de ser tratado com indiferença, e termina caindo em profunda melancolia.

Como você analisa esta letra da música de Zé Ramalho? Faça seu comentário. Estou esperando.

SOZINHO – ANÁLISE DA LETRA


Você sabe que Sozinho fala forte aos corações apaixonados, principalmente na voz adocicada de Caetano, mas seu segredo não está somente na envolvente melodia, sua letra possui uma belíssima tradução.

Quem escuta essa música não necessita de esforço para enxergar ali Caetano, sentado e bem vestido, com seu violão, num solo de fazer inveja. As caetanetes vão ao delírio assistindo ao toque mágico dos dedos do baiano a tocar de leve nas tensas cordas do seu violão. Para mim, parece até que não dá para dissociar o cantor dessa inesquecível produção do Peninha.

Por falar em Aroldo Alves Sobrinho, ele já havia passado outro sucesso para seu ídolo, Caetano, que foi a música Sonhos, que fez todo público brasileiro cantar com ele. Este primeiro grande destaque consagrou o compositor paulista, que logo registrou outros marcos, tais como: Alma Gêmea, com Fábio Júnior; Que Dure para Sempre, com João Paulo e Daniel; Adoro Amar Você, somente com Daniel e muitos outros hits que explodiram por todo o Brasil. Quem não se lembra de outros sucessos que ele fez com as músicas: Era uma Brincadeira, Que Pena, Pouco a Pouco, Meu Mel, Amo Você. Em sua carreira, o cantor e compositor gravou mais de 300 trabalhos na MPB.

Decompor cada verso dessa linda letra é como espremer um favo de mel, pois dela tudo que escorre é saboroso e açucarado.

S O Z I N H O

Caetano Veloso

Composição: Peninha

Às vezes no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
Eu fico ali sonhando acordado
Juntando o antes, o agora e o depois

Por que você me deixa tão solto?
Por que você não cola em mim?
Tô me sentindo muito sozinho

Não sou nem quero ser o seu dono
É que um carinho às vezes cai bem
Eu tenho meus desejos e planos secretos
Só abro pra você mais ninguém

Por que você me esquece e some?
E se eu me interessar por alguém?
E se ela, de repente, me ganha?

Quando a gente gosta
É claro que a gente cuida
Fala que me ama
Só que é da boca prá fora

Ou você me engana
Ou não está madura
Onde está você agora?

Quando a gente gosta
É claro que a gente cuida
Fala que me ama
Só que é da boca prá fora

Ou você me engana
Ou não está madura
Onde está você agora?

A noite, a eterna companheira do poetas, envolve aos que amam, que sentem saudade ou aqueles que esperam.

Quando estamos sozinhos na noite, muita coisa acontece. Um namoro antigo, por uma bela garota, sempre invade nossa mente, mesmo sem pedir licença. Com Peninha não foi diferente, na solidão do tempo e no silêncio perturbador noturno, ele se encontrou mergulhado nas reminiscências de um amor, que passou a permear um vazio que se fazia presente.

Todo mundo sabe que exercitar a imaginação com as doces memórias não é tarefa difícil, principalmente quando você ainda está conectado pelo link do amor, mesmo em casos de atrações amorosas unilaterais ou nos casos de amores correspondidos.

Por mais que você tente fechar os olhos, o sono não vem, porque fortes imagens mentais ficam a envolver sua cabeça, produzindo cenas de amor, de romantismo, vindo logo, como um turbilhão, aqueles remakes dos gostosos momentos vividos. Aí você monta um filme com cada pedacinho: o primeiro olhar, o primeiro abraço, o primeiro beijo, e assim vai montando seu belo trabalho de direção. E se perde no tempo, imaginando-se sempre num passado embriagador e navega na lacuna de todos os sonhos projetados para uma vida a dois, mas que até aquele momento não se concretizou.

Dizem que o amor é grudento. Não sei por que a gente tem essa necessidade de estar sempre atado, ficando fragilizado quando fica só. E, quando sozinho, cobra companhia do outro, sem se preocupar que os espinhos de um zelo exagerado podem sufocar a flor.

Dê um pontapé na insegurança, pois somos únicos, maravilhosos e insubstituíveis. E a liberdade nos concede alegria, e é nisso que reside nosso encanto. Não podemos ser posse de ninguém, nem podemos nos dar ao luxo de aprisionar o direito de voar. Estar livre, mas com asas podadas, é um falso libertar. Um pombo-correio volta milhares de quilômetros para seu dono, mesmo que encontre pelo caminho outras tentações.

Quem não gosta de carícia. Ela sim é a essência dos relacionamentos, mas deixe que venha naturalmente. Isto ocorre quando se sente. Não cobre amor, nem atenção, tampouco carinho, apenas se dê integralmente, pois daí tudo virá.

O amor requer mesmo é proteção. Ele não ameaça, não insufla, apenas espera. Quando se ama, verdadeiramente, não se sente solto e não existe o risco de ser achado por outrem, pois o amar nos deixa focado e amalgamado ternamente à pessoa amada.

Ser cuidado e cuidar é gostoso, não? Cuidar do outro faz parte. Dedicar sua atenção, ser gentil e amoroso, com olhares e jeitinhos, tudo isso faz parte da relação a dois, mas não se deve agir como o proprietário de uma coisa ou objeto. O outro quer se sentir único, e que toda atenção do mundo lhe é dedicada, mas é tudo.

O amor genuíno prende, naturalmente, uma pessoa a outra. Tem-se vontade de estar sempre juntinho, mas quando há um sufocar, você só sente o desejo de fugir, prá nunca mais voltar.

Mas é melhor ser sincero e, olhos nos olhos, pôr um ponto final, pois, se não é mais amor, você só quer mesmo é ficar. Sendo sincera, você não deixará o cara a ver navio e a contar estrelas na noite, SOZINHO, mesmo acompanhado.

Curta agora o inigualável Caetano Veloso.

TIM MAIA – O SÍNDICO

Tim Maia nos embalou com seus sucessos, não somente porque suas letras tocavam forte nossa emoção, mas o timbre de sua voz era único, envolvente, e tinha todo um swing para cantar e comunicar as mais lindas canções de amor.
Ele viveu no Rio de Janeiro, Do Leme ao Pontal, curtindo as belas praias de um matiz lindo, Azul da Cor do Mar. Gostava de viver bem a vida e estava sempre envolto a paixões avassaladoras. No verão amava intensamente, mas curtia muito o frio e dizia: Quando o Inverno Chegar, eu desejo estar junto a ti para curtir Bons Momentos. Mas sua amada um dia o abandonou, e ele disse a ela não vá embora, insistiu com sua musa, fique por toda minha vida. Mas ela, Um Dia de Domingo, desabafou e finalmente se foi. Embora ele não tenha compreendido nada, não encontrando razão para aquilo, exclamou Me Dê Motivo, pois Você sempre foi meu grande amor. Vendo que não tinha mais jeito, apelou para uma amiga. Disse-lhe Leva esta mensagem, Pede a Ela e diga que não me importa nada e Não Quero Dinheiro, Só Quero Amar, pois o amor dela Vale Tudo. Ainda assim não foi atendido e só restou para ele um lamento triste: – Mina, Gostava Tanto de Você!

Esta é uma homenagem que faço ao cantor e compositor Sebastião Rodrigues Maia, Tim Maia, o “síndico”, segundo seu grande amigo Jorge Ben Jor, na música W/Brasil. Tim introduziu o estilo soul na MPB e foi um dos maiores cantores brasileiros, ganhador do prêmio Shell. Suas músicas eram marcadas pela rouquidão da voz, grave e carregada, imortalizando assim muitos sucessos, como este que vocês acabaram de ouvir.


QUEM DE NÓS DOIS

A badaladíssima mineira Ana Carolina um dia “surgiu como um clarão, feito um raio cortando a escuridão”, iluminando nossas vidas com sua performance de palco. Ela veio como um presente de surpresa para todos nós nesse deserto de boas vozes femininas e na secura de boas músicas.

Embora esta música seja uma versão de uma canção italiana, Ana Carolina já demonstrou seu talento com letras incríveis: “O amor em seu carvão foi me queimando em brasa no colchão e me partiu em tantas pelo chão…”. Esta é uma pequena amostra da sua veia poética.

Depois dela, outras talentosas pegaram carona e tivemos mais recente o privilégio de ver surgir uma menina, Maria Gadu, com um timbre de voz agradabilíssimo, que veio também para ficar, principalmente porque foi reverenciada por nada mais nada menos que Caetano Veloso.

Eu e você

Esta lindaletra fala de uma relação a dois que está sofrendo um cheque, como todos os envolvimentos que, de tempo em tempo, necessitam de uma repaginada e às vezes de reavaliação.


Não é assim tão complicado

Às vezes buscamos o inexistente e complicamos o descomplicado.


Não é difícil perceber…

Tudo é tão simples que parece impalpável, não perceptível.

Quem de nós dois
Vai dizer que é impossível
O amor acontecer…

Quando ambos são tocados pelo amor, não se deve ficar racionalizando pequenas coisinhas e sim apenas curtir o que há de melhor, pois o sentimento mais forte que move um casal já existe e não é mais um possibilidade, é só deixar acontecer.

Se eu disser
Que já nem sinto nada
Que a estrada sem você
É mais segura

Sinceridade é a linguagem do amor. Dizer que não sente nada só para fazer joguinho não funciona. Cada um deve se despir dos subterfúgios e, olho no olho, derrramar tudo que se sente.


Eu sei você vai rir da minha cara
Eu já conheço o teu sorriso
Leio o teu olhar

Quando se ama verdadeiramente, a pessoa se torna transparente para a outra. Não se pode esconder nada, tudo fica expresso no seu rosto, como uma imagem retratada no espelho.


Teu sorriso é só disfarce
O que eu já nem preciso…

Sinto dizer que amo mesmo
Tá ruim prá disfarçar

O real não permite máscara. Mesmo que se tente, é impossível dissimular um sentimento verdadeiro.


Entre nós dois
Não cabe mais nenhum segredo

Quando há amor, passa a existir uma fusão de corpos, de mentes e não há espaço para segredos.


Além do que já combinamos

No vão das coisas que a gente disse

Muita coisa fica nas entrelinhas das palavras e é compreendida facilmente, até mesmo um simples olhar tem uma tradução imensa.


Não cabe mais sermos somente amigos

Amor e amizade são grandes sentimentos humanos, mas não dá para ser os dois ao mesmo tempo.


E quando eu falo que eu já nem quero
A frase fica pelo avesso
Meio na contramão

Não devemos desdizer o que manda o coração, senão a vida vira do avesso e o fluxo do nosso caminho se transforma numa grande contramão, realmente.


E quando finjo que esqueço
Eu não esqueci nada…

Negar o que se sente é talvez a coisa mais difícil a se fazer.

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais

Parece incrível, mas não conseguimos fugir de nós mesmos.


E te perder de vista assim é ruim demais

Quando se ama, o desejo é de estar sempre junto, pertinho dos olhos.


E é por isso que atravesso o teu futuro

E faço das lembranças um lugar seguro…

Rememorar os melhores momentos da relação dá segurança e certeza do que se sente. Baseado em certeza é que se busca consolidar aquilo que se almeja ao lado da pessoa amada, procurando eternizar tudo no futuro.


Não é que eu queira reviver nenhum passado
Nem revirar um sentimento revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saída
Acabo entrando sem querer na tua vida

Gostoso é quando se descobre que existe reciprocidade de sentimento, mas quando a coisa é unilateral, a gente se pega se debatendo, tentando fugir para não sofrer depois e sair muito mal de um sonho vivido só por um dos lados.

Eu procurei qualquer desculpa pra não te encarar
Pra não dizer de novo e sempre a mesma coisa
Falar só por falar

Desculpas não vão adiantar sua vida quando elas representam apenas formas de fugas.


Que eu já não tô nem aí pra essa conversa
Que a história de nós dois não me interessa…
Se eu tento esconder meias-verdades

No amor, tudo é por inteiro. Não adiante meias-verdades, falar só por falar, repetições sem nexo.


Você conhece o meu sorriso
Lê o meu olhar
Meu sorriso é só disfarce
O que eu já nem preciso…

Não dá prá disfarçar quando o que se sente está explícito, transparente. Mascarar o sentimento por meio de um falso sorriso é duro demais.

Aquilo que sentimos fica expresso em nosso rosto, no brilho de nosso olhar, no tom da nossa voz, enfim, todo o corpo fala e traduz nossas emoções, que dão voz ao coração.

Aniversário da Cidade de São Paulo – 457 Anos

Nesta linda homenagem, Caetano Veloso nos ensina com sua música que a identidade cultural é aquilo que aproxima e une os indivíduos, formando a base para que uma pessoa se sinta pertencente a um grupo social, pois não se obtém isto apenas dividindo um espaço comum ou só praticando atividades no meio em que se está inserido. É preciso mais.

E o mergulho de Caetano na cultura paulistana é intenso, passando pela música, pela poesia, pelos movimentos de vanguarda, pela arquitetura, por questões ambientais, políticas e sociais.

Como a se sentir parte do todo, o poeta, inspirado, compôs Sampa, que não é só uma música, ela é um verdadeiro hino, que foi feito de coração para homenagear a capital desta linda terra. É difícil que alguém diga que não sabe cantar sua melodia, com sua letra que diz muito sobre a experiência de um baiano ao chegar de ônibus em São Paulo.

SAMPA – CAETANO VELOSO

Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E a mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes

E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

ANÁLISE DA LETRA DA MÚSICA “SAMPA”


Alguma coisa acontece no meu coração

Enquanto Vinicius de Morais provocava os amigos, ao dizer que São Paulo era o túmulo do samba, Caetano iniciou sua linda homenagem à cidade de maior força econômica brasileira, enaltecendo seus mitos e seus símbolos. Ele começou SAMPA fazendo uma paráfrase musical de RONDA, do poeta e compositor Paulo Vanzolini (Ronda, que foi lindamente interpretada por Maria Betânia, irmã do poeta e cantor baiano).

Prova disso é que quando João Gilberto toca Sampa, ele sempre inicia com o último verso da criação inesquecível de Vanzolini: “Cenas de sangue num bar na avenida São João”, que musicalmente casa com perfeição com “Alguma coisa acontece no meu coração”. Durante  a música, Caetano retomou esse artifício melódico para deixar claro que não foi uma construção feita por mero acaso.

Que só quando cruzo a Ipiranga e a avenida São João

E Caetano nem desconfiava que naquele momento, em 1965, estaria imortalizando o mais famoso cruzamento do Brasil: a Ipiranga com a São João. Ali ele desceu, vindo da cidade maravilhosa, cheia de praias, encantos e belezas, apregoados por seu amigo e parceiro Gilberto Gil em Aquele Abraço, antes de seguir para o exílio (nela, Gil homenageia os baianos Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso).

É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi

Ele, que havia se acostumado com o Rio de Janeiro e sua descontração, pisou na selva de concreto, como era conhecida, e ficou chocado com o que via, pois ali não daria para viver “sem lenço e sem documento”, mas teria que acompanhar o ritmo frenético paulistano, com sua diversidade cultural e sua vida noturna encantadora.

Da dura poesia concreta de tuas esquinas

Da deselegância discreta de tuas meninas

Caetano, numa sacada genial, associa o Movimento Poético do Concretismo com as esquinas de São Paulo, uma clara referência aos poetas paulistas Augusto e Haroldo de Campos. Naquela época ainda não havia o São Paulo Fashion Week, e o Rio é que ditava a moda, embora a endumentária de um dos pais do Tropicalismo fosse de uma extravagência sem medidas, o que atraía risinhos discretos daquelas meninas que passavam bem perto dele. Meninas que não eram bem o estereótico da Garota de Ipanema (composição de Vinicius de Moraes de 1962), que quando caminhava, cheia de graça, gingava num doce balanço a caminho do mar e não a caminho do trabalho, como era o caso das paulistanas, em suas roupas de escritório.

Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

No afã de ressaltar os valores da terra da garoa, o poeta apresenta para o Brasil aquela que ainda não era tão badalada, mas que logo se consagraria como a rainha do rock, a cantora e compositora Rita Lee, líder da banda Os Mutantes (em companhia de Arnaldo Baptista e Sérgio Dias). Com o tempo, como a vaticinar a profecia de Caetano, a roqueira foi considerada a maior tradução daquilo que é São Paulo.

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto

Há muitas rivalidades entre o Rio e São Paulo, mas, deixando o bairrismo de lado, e toda a violência, o Rio de Janeiro continua lindo. Sempre foi e dificilmente deixará de sê-lo. Com tantas imagens dos recortes mágicos daquele belíssimo litoral, o baiano se assustou com tantos prédios e tanta modernidade de suas linhas arquitetônicas.

É que Narciso acha feio o que não é espelho
E a mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes

E o lado narcisista de Caetano aflorou, pois ali não enxergou a beleza que nele refletia, através do seu espelho interior. Tudo que vem de encontro ao que você pensa e de como vê o mundo, choca, causando impactos, deixando a sensação de expectativa frustada. Ele desejaria ser mutante para rapidamente transformar o impacto primeiro e o pavor causado em sua mente.

E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

São Paulo é assim: você se assusta no começo, mas depois se apaixona e não consegue mais sair de suas entranhas. Caetano, que vinha de um sonho “feliz cidade”, isto é, de um sonho chamado felicidade,aprendeu depressa que aquele novo mundo era a própria realidade. Não um viver de ficção, mas a cara de um Brasil que luta para tornar esta nação maior.

Porque São Paulo é o próprio avesso de  outras realidades brasileiras. Na letra, ao falar do “avesso”, na verdade Caetano dialoga com o poeta paulista Décio Pignatari, que fundou com Augusto e Haroldo de Campos o movimento estético do Concretismo, que punha ênfase no avesso das formas e brincava com a estética dos versos e das palavras.

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas

Como megalópolis, São Paulo vive formando filas, para pôr ordem na casa, senão tudo se transforma em caos urbano. O paulistano adora suas “vilas”, que são os chamados bairros em outras capitais. A própria capital paulista se chamava Vila de São Paulo, da mesma forma hoje muitos “points” se encontram nas suas famosas vilas, espalhadas nas áreas nobres e também nas menos favorecidas. Como o Rio de Janeiro, São Paulo também possui suas favelas, onde vivem aqueles de menor renda aquisitiva, mas que abrigam a mão de obra que move a maior economia da América do Sul. Tudo isso não passou despercebido por Caetano Veloso, que descreveu em pormenores sua musa, que não dista daquilo que ela é ainda hoje.

Da força da grana que ergue e destrói coisas belas

O crescimento sustentável é o sonho dos ambientalistas e crescer sem causar impactos é uma meta a ser alcançada por aqueles empresários que não apenas desejam o enriquecimento, mas buscam também a manutenção do ecossistema existente em suas áreas de atuação, procurando manter as coisas belas, sem destruir completamente a natureza. Aqui a gente percebe já naquela época a preocupação de Caetano com as causas ambientais.

Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas

Para Caetano, apagar as estrelas com a fuligem da fumaça é como roubar do poeta sua fonte de inspiração.

Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços

Mais uma referência aos poetas e irmãos Augusto e Haroldo de Campos, construtores de versos poéticos que brincavam com os espaços, sem a preocupação da rima ou da musicalidade, mas sim da forma.

Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Uma clara homenagem ao teatro paulistano que fazia “Oficinas de Florestas” nas mãos do diretor José Celso Martinez Corrêa. Já “deuses da chuva” é uma referência clara à obra do seu amigo e poeta Jorge Mautner, que escreveu “Deuses da Chuva e da Morte” (Editora Martins – 1962).

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

Aqui no final, o poeta enaltece os Novos Baianos, que era composto, entre outros, por Moraes Moreira, Pepeu Gomes de Baby. Usa o nome do grupo para se referir a todos aqueles que vêm para São Paulo em busca de melhores oportunidades de vida.

São Paulo é um misto de raças, de nacionalidade e de culturas. Um “pan” (conjunto, reunião) das pessoas que vêm do Sul e do Norte e de todo lugar, como também dos países vizinhos, em busca de sonhos utópicos que muitas vezes são obrigados a sepultá-los frente à dura realidade. E aquilo que parecia sonho se torna uma prisão, um “novo quilombo de Zumbi”, fazendo-os prisioneiros, vivendo atrelados aos grilhões em filas, vilas e favelas.

MILTON NASCIMENTO


Bituca, mesmo sendo carioca de nascimento, sempre se considerou mineiro de coração. Isto porque foi em Minas que ele se encheu de amor, de amigos e de musicalidade.

Depois que o menino cresceu, concedeu-nos muitas pérolas musicais. E foram tantas que se esparramaram pelos clubes e esquinas do Brasil inteiro.

Hoje seus fãs estão espalhados por todo o mundo, e cada tema musical faz seu repertório ser mais especial ainda. Músicas como Nos Bailes da Vida, Canção da América, Travessia, Coração de Estudante, Maria Maria e muitas outras fazem com que seus shows sejam únicos.

Mas tem uma que para mim é muito doce, por remeter ao mundo mais gostoso que todos nós vivemos – a infância!

Bola de Meia, Bola de Gude

Milton Nascimento

Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão

Há um passado no meu presente
Um sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão

E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Carater, bondade alegria e amor
Pois não posso
Não devo
Não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal

Bola de meia, bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança
O menino me dá a mão
Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto fraqueja
Ele vem pra me dar a mão


O mundo é hoje um quadro feio de se ver e difícil de ser vivido. Ele é selvagem, cheio de drogas e violências. Suas redes sujas violam o direito à vida, usurpam o espaço da mulher e invadem o universo mágico e inocente das crianças e dos adolescentes.

Na ânsia por competitividade, perde-se a ética, a moral e os bons costumes. Por dinheiro, mata-se e morre-se, sem peso na consciência, pois ela já foi cauterizada, perdendo a sensibilidade.

Quando Milton Nascimento recorre ao menino, ao moleque, morando sempre no meu coração, ele nos incita a fazer este resgate nos porões da nossa mente, trazendo de volta a inocência, a pureza, o lado doce de ser criança, que jaz adormecido, mas não morto, dentro da gente, no nosso coração. Fazendo assim nos lembrar daquele mundo colorido, local onde somos permanentemente pessoas boas e agimos sem segundas intenções ou propósitos desleais.

Toda vez que o adulto balança (ou fraqueja), ele vem me dar a mão.

Muito adultos são formados para ser algo que muitas vezes não querem ser, por isso se tornam infelizes. Atingir a grandeza de ser um homem exige carregar consigo esta criança, este lado pueril, para que não sejamos tão duros, mas amorosos com o outro e complacentes com aqueles que pedem sua ajuda. E, se mesmo assim você algum dia balançar, esse menino estará sempre ali para te dar a mão, como um socorro transdimensional.

Há um passado no meu presente
Um sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão

Reviva mais e sempre os bons momentos vividos na sua infância, traga com você sempre este passado gostoso para seus dias. Eles serão importantes para lidar com os companheiros de trabalho, com sua esposa e filhos. Lembre-se que no quintal da sua casa você brincava de soltar pipa e disparava atrás de uma bola de meia, das bolas de gude e das muitas outras brincadeiras infantis.

Com tais recordações carinhosas da meninice, nada poderá nos assustar, nem mesmo a bruxa mais assombrosa que possa aparecer, como a da incerteza, da dúvida, da solidão. Nessa hora, agarre-se a esse menino, e tudo voará para longe.

E me fala de coisas bonitas

Que eu acredito

Que não deixarão de existir

Amizade, palavra, respeito.
Carater, bondade, alegria e amor.


A base que recebemos de nossos pais carregamos para sempre conosco. E ela passa a ser a nossa referência ,  apontando-nos o caminho correto a seguir. Tais ensinamentos são recheados de bons conceitos e é nisso que passamos a acreditar.  Com o dever de primar para que sempre permaneçam como o esteio da sociedade que vivemos.

No seio da família e no círculo que fomos criados e crescemos, aprendemos a valorizar sentimentos de amizade e lealdade; passamos a dar valor à palavra, sem tomá-la de forma leviana; ter respeito e sermos respeitados. Tudo entra na formação do nosso caráter. Quem transfere estes bens valiosos para seu filho, concede-lhe o maior tesouro. Com tal lapidação, com certeza ele será feliz e amará com todo seu coração e será de uma bondade imensa, pois o solidário não quer solidão. Quem quer estar sozinho, buscamos companhia, pois o outro nos complementa.

Pois não posso
Não devo
Não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal

Quem se contenta com a maldade, e com o curso errôneo por que envereda muita gente, compactua com ela. Devemos saber dizer não ao que não presta. Saber até onde devemos ir e ter forças para recusar algumas propostas que se apresentam, sem medo de ser careta ou ser tachado de bobão. Não podemos aceitar numa boa as muitas sacanagens que aprontam por aí como se isso fosse o normal. Mesmo diante de um programa muito visto na TV, devemos refletir se aquilo traz algo de bom para você e sua família. Reflita sempre sobre o que cada coisa pode acrescentar na sua bagagem cultural e moral, senão descarte o lixo eletrônico ou televiso que a mídia insiste em empurrar goela a baixo para você e sua família.

Bola de meia, bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança
O menino me dá a mão
Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto fraqueja
Ele vem pra me dar a mão

Quer diversão mais barata do que aquela vivida e tocada com uma bola de meia ou com bolinhas de gude! Quem não pode comprar uma bola de borracha ou de couro, constrói uma com meias velhas, com enchimento de retalhos de roupas, mas não deixa de desfrutar desse momento mágico, no qual a bola é uma presença constante. A bola de gude também é recorrência entre a meninada, principalmente da periferia, que não tem dinheiro para jogos eletrônicos e computadores sofisticados. Com pouco, vive-se feliz, afastando qualquer tipo de tristeza.

Autor: José Maria Cavalcanti

JOÃO BOSCO E ALDIR BLANC

Vinicius fez grandes parcerias com Tom Jobim, João Gilberto, Chico Buarque, Baden Powell e Carlos Lyra, resultando em grandes sucessos musicais. Cartola tinha Carlos Cachaça, Caetano tinha Gil, Cazuza tinha Frejat e muitas foram as parcerias que enriqueceram a Música Popular Brasileira. Mas um dos mais bem sucedidos encontros se deu, em 1970, entre o mineiro, João Bosco, que era o responsável pela melodia, com o carioca, Aldir Blanc, o qual compunha as letras.

Eles foram lançados por ninguém menos que a famosa Elis, durante o governo militar, iniciado em 1964 e terminado em 1985. Juntos compuseram grandes sucessos para a MPB, como Bala com Bala, Mestre-Sala dos Mares, Dois prá lá, dois prá cá e O Rancho da Goiabada, entre vários outros sucessos.

Sem dúvida a maior marca deles foi o Bêbado e a Equilibrista, lançada em 1979, que recebeu uma interpretação inesquecível de uma das maiores vozes que nossa música já teve: Elis Regina.

O BÊBADO E A EQUILIBRISTA

Elis Regina – O Bêbado e a Equilibrista (clipe)

O Bêbado e A Equilibrista

Letra : Aldir Blanc Música: João Bosco

Interpretada por Elis Regina

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos…

A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil.
Meu Brasil!…

Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora!
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias
E Clarisses
No solo do Brasil…

Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança…

Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar…

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar…

Análise da Letra da Música O Bêbado e a Equilibrista

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos…

Certamente muito impressionou a mente do psiquiatra, Aldir Blanc, a queda repentina dos 122 metros do elevado da Av. Paulo de Frotin, matando 28 pessoas naquela tarde carioca de 1971.

Em março de 1964, havia se instalado no Brasil uma nova forma de governo, com a mesma marca do inesperado, causando impactos sociais para todos os lados.

Como toda matéria a ser publicada passava por uma revisão, entrou nessa música o talento de Aldir, ao falar de uma maneira codificada sua mensagem de protesto. Cada palavra ganhou significado novo, sem perder a beleza e a musicalidade. Por isso esta música até hoje é lembrada em manifestações populares.

Desde o cinema mudo, Charles Chaplin encarnou a figura do palhaço, cheio de sonhos e idealismo. Vivendo a personagem do bêbado, ele passa, como marca maior, a irreverência, que caracteriza o artista.

Aldir Blanc começa sua música naquela noite enlutada, após o rápido cair de tarde daquele dia de 1971. Ali a população carioca lamentou a dor da perda dos seus mortos. Da mesma forma, os novos rumos do país foram comparados a uma longa noite de vinte anos, onde todos viviam na corda bamba, tateando no escuro cada passo a ser dado, correndo o risco de cair a qualquer momento.

A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

Apontaram alguns especialistas a Rede Globo como a figura da lua, que compactuava com o poder, representado pelas estrelas.

Eu prefiro dizer que a lua apontava com sua luz o caminho a ser percorrido. Ela iluminava o palco, como um holofote gigantesco, fazendo o povo enxergar o fino fio de esperança que estava sob seus pés.

Enquanto o povo seguia o caminho árido, tal qual a provação sofrida pelo povo de Israel no deserto, eles tinham à noite aquele clarão a iluminar o percurso. Nos dois casos, era como um sinal de que Deus não havia se esquecido deles.

Como a mulher, a lua não é indiferente como as estrelas frias, ela tem fases. Enfeita-se no céu para tornar a noite mais interessante, aliviando a sensação lúgubre que ela passa. Se necessário for, ela fará de tudo para fazer a noite mais bonita, inclusive pedindo por empréstimo um pouco mais de luz às estrelas.

E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil.
Meu Brasil!…

No deserto havia também uma nuvem que acompanhava o povo sofrido. Lá no Sinai, servia para fazer sombra, mas aqui é utilizada como mata-borrão, suprimindo os excessos da tinta derramada. Enquanto isso, os mais irreverentes, sem medir consequências, faziam graça na tentativa de arrancar um riso.

Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora!
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias
E Clarisses
No solo do Brasil…

Betinho partiu para sempre, mas não foi daquela vez, na qual era chorado por sua esposa Maria, junto com Clarice. Sonhavam que seus maridos regressariam um dia para viver de novo no solo brasileiro.

Mas sei que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança…

De novo a esperança, representada pela lua, conclamava para que todos continuassem perseverantes, pois, no fim, tudo teria valido a pena.

Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar…

Enquanto se espera, enche-se de esperança e, mesmo que às vezes haja esmorecimento, fazendo bambear na corda bamba, depois o equilíbrio é recobrado. A sombrinha colorida é como o arco-íris – um sinal celestial de uma aliança com o divino.

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar…

A mensagem dos artistas mudou de roupagem, exigindo escaramuças e subterfúgios para enfrentar aqueles tempos de maior rigor, mas não deixou de ser passada como um manifesto, diante do controle necessário para coibir  os avanços ideológicos divergentes.

AQUILO QUE DÁ NO CORAÇÃO

Osvaldo Lenine Macedo Pimentel, 52 anos, começou a ser reconhecido quando teve seu som gravado por Elba Ramalho, após muitos anos vividos no Rio de Janeiro, em contato com muitos músicos e cantores. Depois vieram Fernanda Abreu, O Rappa, Milton Nascimento, Maria Rita, Maria Bethânia e outros nomes de peso da MPB. Trabalhou como arranjador em seriado da Globo e fez outros trabalhos como músico e produtor. Ele já arrebatou dois Grammy Latino.

 

 


Aquilo Que Dá No Coração

Aquilo que dá no coração
E nos joga nessa sinuca
Que faz perder o ar e a razão
E arrepia o pelo da nuca
Aquilo reage em cadeia
Incendeia o corpo inteiro
Faísca, risca, trisca, arrodeia
Dispara o rito certeiro

Avassalador
Chega sem avisar
Toma de assalto, atropela
Vela de incendiar
Arrebatador
Vem de qualquer lugar
Chega, nem pede licença
Avança sem ponderar

Aquilo bate, ilumina
Invade a retina
Retém no olhar
O lance que laça na hora
Aqui e agora,
Futuro não há
Aquilo se pega de jeito
Te dá um sacode
Pra lá de além
O mundo muda, estremece
O caos acontece
Não poupa ninguém

Avassalador…

Avassalador
Chega sem avisar
Arrebatador
Vem de qualquer lugar
Aquilo que dá no coração
Que faz perder o ar e a razão
Aquilo reage em cadeia
Incendeia

O grande sucesso da Rede Globo PASSIONE tinha como vinheta mais um sucesso do nosso poeta pernambucano Lenine. Logo que a música tocava, era certo que viriam as cenas de amor e de paixão arrebatadora.

A música intitulada “Aquilo que dá no coração” fala por si só.

O poeta derrama seu néctar já quando dá nome ao tema.

Ele fala do coração como uma terra fértil, irrigada e pronta para fluir sua energia vital: o amor.

E quando a semente amorosa se instala, rapidinho cresce e acontece. Ninguém sabe explicar. De repente, como um passe de mágica, ela deixa a pessoa sem ar e sem razão, numa sinuca difícil (de bico), a qual exige-se arte e malabarismo para escapar do seu laço.

Quando se está enfeitiçado pelo amor, arrepia a pele, os pelos do corpo, inclusive o pelo da nuca, e todos os sistemas do nosso corpo interagem, provocando o acelerar e palpitar do coração, fazendo o amante ou o apaixonado falar sozinho e viver aos sussurros.

E essa energia gostosa é um poderoso combustível, que frente ao menor indício de fogo (faísca), incendeia todo o corpo, num risca e trisca interminável. Vai tomando conta de tudo, arrodeiando e movendo os sentidos, fazendo todo o ser entrar em transe, que descamba no rito certeiro.

O ritual do amor é de conhecimento universal. É aquilo que une e dá liga aos que amam, fundindo-os em uma só pessoa.

Aquilo que dá no coração
E nos joga nessa sinuca
Que faz perder o ar e a razão
E arrepia o pelo da nuca
Aquilo reage em cadeia
Incendeia o corpo inteiro
Faísca, risca, trisca, arrodeia
Dispara o rito certeiro

Nos tempos medievais, o vassalo era aquele que se deixava subjugar pelo seu senhor, colocando-se numa posição de submissão. O poeta Lenine compara a força desse amor com aquela que o patrão exercia sobre seu servo, vivendo apenas para cumprir o ordenamento superior.

Arrebatador, impulso maior que nos arranca do solo, abduzindo o ser amado para outra dimensão. Movido pela paixão, sente-se o corpo ser tomado num repente, de fazer perder a cabeça.

Vem de qualquer lugar, não importando o status social ou a origem. Chega sem avisar, atropelando, sem pedir licença e avança sem pensar.

Este amor não quer somente iluminar, que é a função da vela, mas deseja mais, quer dissipar todas as trevas interiores, fazendo uma fogueira para queimar o peito, provocando uma poderosa combustão.

O pernambucano, com seus versos, conversa com outro famoso poeta, Luís de Camões: “O amor é fogo que arde sem se ver! … É querer estar preso por vontade.”

Avassalador
Chega sem avisar
Toma de assalto, atropela
Vela de incendiar
Arrebatador
Vem de qualquer lugar
Chega, nem pede licença
Avança sem ponderar

Este fogo do amor é iluminador, lançando chama pelos olhos. Todo mundo percebe porque não se pode esconder tal intenso brilho de olhar, que parece anunciar com luzes de neon o sentimento que jorra do coração.

E tudo se dá de momento. Um clique de olhar e pronto. A pessoa é imediatamente capturada pela magia do amor. A partir daí, ninguém pensa no futuro ou no passado, só se quer viver o presente. E esse desejo é tão forte que mexe loucamente, sacudindo rotinas, levando a pessoa a fazer o inusitado. O mundo vira de ponta cabeça, estremecendo os alicerces daqueles que amam ou estão movidos pela paixão.

Aquilo bate, ilumina
Invade a retina
Retém no olhar
O lance que laça na hora
Aqui e agora,
Futuro não há
Aquilo se pega de jeito
Te dá um sacode
Pra lá de além
O mundo muda, estremece
O caos acontece
Não poupa ninguém

O poeta Lenine, com um envolvendo ritmo, faz-nos viajar pelos caminhos do amor, descrevendo-o com felizes metáforas esta impetuosa força, avassaladora e arrebatadora, que de repente se instala no coração. Tal fogo, que atropela e não poupa ninguém, faz perder o nexo, conduzindo ao ápice do prazer os enamorados, no seu indescritível ritual.

Avassalador
Chega sem avisar
Arrebatador
Vem de qualquer lugar
Aquilo que dá no coração
Que faz perder o ar e a razão
Aquilo reage em cadeia
Incendeia


O GARÇOM DO REI


Nós temos o privilégio de ter na MPB quatro reis: Roberto Carlos – nosso eterno rei da música romântica; Raul Seixas – o rei do rock (temos também Rita Lee – a rainha do rock); Luís Gonzaga – o rei do baião; e temos o rei do brega: Reginaldo Rossi.

Ele já ganhou 14 discos de ouro, 02 de platina (mais um de platina duplo) e 01 disco de diamante. Na sua carreira, gravou na Chantecler, CBS, EMI, Polydisc, Sony Music, Continental, Records, dentre outras. É adorado por todas as classes sociais, lotando as casas por onde passa. Faz 25 shows por mês, já havendo superlotado vários lugares famosos, como o Metropolitan – RJ e Olímpia – SP. Com mais de 45 anos de trabalho, já emplacou vários sucessos, tais como O Pão, Deixa de Banca, Tô Doidão, Mon Amour, Meu Bem, Ma Femme, Garçom e A Raposa e as Uvas.

Garçom

Reginaldo Rossi

Composição : Reginaldo Rossi

Garçom! Aqui!
Nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor…

Garçom!
No bar todo mundo é igual
Meu caso é mais um, é banal
Mas preste atenção por favor…

Refrão:

Saiba que o meu grande amor
Hoje vai se casar
Mandou uma carta pra me avisar
Deixou em pedaços meu coração…

E pra matar a tristeza
Só mesa de bar
Quero tomar todas
Vou me embriagar
Se eu pegar no sono
Me deite no chão!…

Garçom! Eu sei!
Eu estou enchendo o saco
Mas todo bebum fica chato
Valente, e tem toda a razão…

Garçom! Mas eu!
Eu só quero chorar
Eu vou minha conta pagar
Por isso eu lhe peço atenção…
Saiba que o meu grande amor
Hoje vai se casar
Mandou uma carta pra me avisar
Deixou em pedaços meu coração…

E prá matar a tristeza
Só mesa de bar
Quero tomar todas
Vou me embriagar
Se eu pegar no sono
Me deite no chão!…

Repete o refrão.

O bar funciona com um divã, ambiente de terapia para o cliente, que na verdade é um paciente do garçom amigo. Mesmo estando em lugar público, ele faz desse lugar intrusivo sua catarse, isto é, ali está para desaguar  com palavras suas dores e mágoas. Movido pela força etílica, encontra, no ombro do seu atendente, a pessoa amiga que lhe dá atenção.

A bebida, para quem está carente, é um processo de fuga da realidade, daquilo que está massacrando seu dia a dia. Naquele confessionário, a pessoa se liberta, falando sobre o mal que a aflige.

Talvez o ambiente com pouca luz e público não seja o melhor lugar para se fazer uma terapia. Sessão realizada quase sempre em locais fechados e privados, mas é justamente no bar que muitos homens, e agora também inúmeras mulheres, resolvem suas crises, derramando seus corações a um ouvido atencioso e paciente.

No bar, as pessoas se igualam, sem distinção de rico ou pobre. Pagar para sorver uns tragos é muito acessível, e o garçom dá trato igual a todos que acedem a seu ambiente de trabalho, independentemente se a intenção é rir, chorar ou desabafar.

Ser abandonado por um grande amor não é fácil, principalmente sem entender a real motivação, apenas recebendo uma carta de despedida.

Ninguém na verdade deseja ser o protagonista desta história triste de amor, mas já aconteceu milhares de vezes na vida de muitos homens e mulheres pelo mundo afora.

Cenas como esta do contexto da música de Reginaldo Rossi estarão sempre presentes enquanto houver relacionamento humano. Abandonar e ser abandonado faz parte do risco de se apaixonar, e é isso que move os corações.

Análise da música feita por José Maria Cavalcanti

Roberta Miranda também arrasou cantando o maior sucesso do Rei do Brega!

Não deixe de escutar o que pensa Diego Moraes sobre a música brega e sua belíssima interpretação em “ÍDOLOS”!

Luiz Gonzaga – Rei do Baião

A criação imortal de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira completa 64 anos de sucesso. São mais de 500 regravações pelos maiores nomes da MPB e outros artistas internacionais. Aquilo que representou a revalorização da nossa cultura, quando a música estrangeira ocupava quase todos os espaços da nossa mídia, hoje o fenômeno Asa Branca se chama consagração.

Esse choro triste, um baião romântico e arretado de bom, continua embriagando a todos: público e grandes vozes.

Todos no Brasil e grande parte do exterior conhecem esse hino nordestino, esse canto que brota do coração para a alma, causando comoção geral com o infortúnio do homem sofrido do campo.

A nossa inesquecível Elis Regina fez questão de cantar a obra-prima de Gonzaga, na companhia de Hermeto Pascoal, na sua famosíssima passagem por Montreal. Juntos foram aplaudidos de pé pelo arranjo especial que fizeram.

Caetano, quando esteve na França, em 1972, não deixou de reverenciar o Rei do Baião com Asa Branca. E como ela é uma música que fala da sina dos retirantes nordestinos, levou a público uma versão inusitada no seu exílio em Londres.

Toquinho fez um solo impecável em uma apresentação internacional, levando ao povo português a hoje sessentona Asa Branca, para delírio geral. Em outro show, na Suíça, o grande companheiro de Vinícius, também exibiu a pérola do baião, encantando a todos.

E os italianos foram aos aplausos ao escutar a performance de Baden Powell, entoando Asa Branca. O arranjo foi considerado uma grande obra da maestria desse gênio do violão.

Maria Betânia não cansava de lembrar para seus fãs que Asa Branca era a música que mais sua mãe gostava de cantarolar. Depois disso, transmitia todo seu talento e emoção nos versos da linda letra para sua plateia.

O filho do Rei, Gonzaguinha, antes de nos abandonar em 1991, pressentindo como um pássaro o seu fim, cantou pela última vez a música que consagrou seu pai. Após o show na cidade de Pato Branco, no Paraná, ele sofreu um trágico acidente automobilístico, que encerrou de forma repentina sua carreira brilhante.

Além de todos os grupos de forró que tocam Asa Branca, dentre outros cantores famosos, citamos David Byrne e Demis Roussos (em inglês), Geraldo Vandré, Lulu Santos, Fagner, Tom Zé, Hermeto e Sivuca, Dominguinhos, Oswaldinho do Acordeom, Chitãozinho e Chororó, Elba Ramalho, Ricky Vallen, Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Quinteto Violado, Zé Ramalho, Cláudia Leite e Raul Seixas (em inglês). Todos eles também emprestaram suas vozes para transmitir toda a força poética dessa música emblemática do Nordeste.

Não é difícil entender o porquê de esta música ser tão prestigiada. Ela conta com riquezas de imagens o que acontece quando o solo não recebe água, ficando esturricado, matando de sede o gado e estancando a esperança do homem do campo, que parte para a cidade grande, na certeza de um dia voltar.

Autor: José Maria Cavalcanti

Asa Branca

Composição: Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira

Quando oiei a terra ardendo

Qual a fogueira de São João

Eu preguntei a Deus do céu,ai

Por que tamanha judiação

Que braseiro, que fornaia

Nem um pé de prantação

Por farta d’água perdi meu gado

Morreu de sede meu alazão

Inté mesmo a asa branca

Bateu asas do sertão

“Intonce” eu disse adeus Rosinha

Guarda contigo meu coração

Hoje longe muitas légua

Numa triste solidão

Espero a chuva cair de novo

Pra mim vortar pro meu sertão

Quando o verde dos teus óio

Se espanhar na prantação

Eu te asseguro não chore não, viu

Que eu vortarei, viu

Meu coração

Análise da Música

Quando olhei a terra ardendo/  Qual fogueira de São João/  Eu perguntei, a Deus do céu/ Por que tamanha judiação!

Esta linda canção é uma narrativa feita na linguagem popular, com expressões regionais sendo usadas no discurso poético. Embora exista o distanciamento da norma culta, ela é iniciada com uma figura de linguagem, ao comparar o calor excessivo que assola grande parte das terras do Nordeste com a alta temperatura de uma fogueira, especialmente as grandiosas de São João, que é uma referência à religiosidade do povo. Frente ao infortúnio, o camponês indignado ousa inquirir para seu senhor e Deus qual a razão ou o motivo de tanto castigo e sofrimento.

A fogueira de São João é feita no período junino para homenagear as riquezas providas pela terra, simbolizando a fartura, diferentemente do que ocorre com o imenso queimar figurativo da letra da música.

Na primeira estrofe, os autores tratam do conhecido dilema da seca nordestina. E, como não tendo para quem clamar na esfera terrena, ele se apega àquilo que acredita. Com fé, resolve falar diretamente com o altíssimo, a ver se Ele se compadece daquela triste sina.

Repare no proposital andamento da música, assim como os instrumentos usados para o arranjo, que são predominantemente para passar o clima melodioso e triste para a canção. Este ritmo lento, quase se arrastando, cria um ambiente propício para que o ouvinte se envolva com a temática a ser passada.

Depois de tantas décadas escutando a denúncia passada na letra de Asa Branca, hoje existe um grande projeto para desviar parte das águas do Rio São Francisco para mitigar as agruras por que passa o homem do campo dessa região geográfica. A ideia talvez um dia se torne realidade, saindo definitivamente do papel, por ser motivo de muitas controvérsias. A razão disso é que a solução proposta pelo governo assusta por demais aos que enriquecem a séculos com a indústria da seca.

Que braseiro, que fornalha/ Nem um pé de plantação/ Por falta d´água, perdi meu gado/ Morreu de sede meu alazão.

A riqueza figurativa segue na segunda estrofe. Primeiro o autor usou a simbologia da fogueira, depois braseiro e por fim fornalha, palavras de mesmo valor textual para dar ênfase, com imagens conhecidas, ao fator climático da região semiárida.

A resultante da falta de água é que o nascer, crescer ou frutificar inexiste. Nem adianta o preparo da terra e o plantio, pois o ciclo da produção agrícola naquela faixa de terra é incompleto pela ausência de precipitações pluviométricas, isto é, falta de chuvas. A consequência da ausência de pastos é a morte dos animais por subnutrição. Com a morte do boi, não há como arar a terra; sem a vaca, não leite, manteiga, qualhada e queijo na mesa. Sem o cavalo alazão, como pastorear o rebanho ou como fazer deslocamentos pelas terras, ir à cidade ou à feira. Quer tristeza maior para um homem do campo ficar sem tudo aquilo que o motiva a permanecer atrelado a terra.

Depois de 500 anos de sofrimento, talvez a técnica de gotejamento, já empregada em Israel, EUA e outros países, venha a ser a solução de um problema de muitos séculos. O exemplo da Maísa, fazenda que foi transformada em oásis numa região do semiárido em Mossoró/RN, talvez chegue até outras cidades, resolvendo um problema do descaso, de falta de decisão e comprometimento político.

Até mesmo asa branca/ Bateu asas de sertão/Então eu disse, adeus Rosinha/ Guarda contigo meu coração.

No rico acervo cultural das crendices do povo nordestino, é conhecida como sinal de seca a fuga da Asa Branca. Assim como se acredita que a andorinha voando baixo, o florescimento do murici, o coaxar dos sapos e o canto da cigarra são indícios claros da chegada da chuva.

Quando não existe mais esperança, o homem se vai de sua terra em busca de melhores oportunidades. Ir sozinho muitas vezes é a solução, pois é mais barato e mais fácil. O homem nessas áreas figura com único provedor, diferentemente das cidades, onde as mulheres cada vez mais representam muito na economia doméstica. Por isso, na letra da música, a despedida de Rosinha dá início ao que ocorre com muitos, isto é, o êxodo rural.

Na visão romântica dos autores, a Asa Branca aponta o caminho da sobrevivência: a busca de outro habitat.

Sem políticas para segurar o trabalhador na sua terra, o governo permite a transferência de um problema social do campo para o meio urbano.

Por fim, o apelo ao emocional da sua amada, como um pacto de vida ou morte. Guardar o coração, o órgão vital do ser humano. Isto é como se ele dissesse para ela que apenas o corpo material vai para buscar sobrevivência, mas com ela fica sua alma e todo seu amor. O coração ele deixa com ela como calção, na certeza de que depois voltará para resgatá-lo com sua outra metade.

Hoje longe muitas léguas/Numa triste solidão/Espero a chuva cair de novo/ Pra eu voltar pro meu sertão.

Distante de sua terra, da sua cultura e familiares, o homem se entristece, morrendo de solidão. Aquele sonho de vencer na metrópole fica frustrado quando ele se vê diante de uma dura realidade. Como não possui qualificação para desempenhar outras funções, termina num canteiro de obras, realizando a parte pesada da construção civil. Dá duro dia e noite, descansando à noite em condições precárias num barraco, localizado em áreas de risco da periferia da cidade.

Vivendo um quadro diferente daquilo que sonhou, mantém contato por carta com sua família, na esperança de que as chuvas voltem para poder retornar para seu sertão.

Quando o verde dos teus olhos/ Se espalhar na plantação/ Eu te asseguro, num chore não, viu?/ Que eu voltarei, viu, meu coração.

Outra figura linda. O verde da esperança é também a cor dos olhos da amada Rosinha. Olhos que darão vazão a um montão de lágrimas e serão tantas que irão dar viço a terra, fazendo-a novamente verdejar.

A vegetação do Sertão é chamada de caatinga, que na língua indígena significa mata de um branco acinzentado, apresentado na coloração dos galhos e folhas secas. Quando chegam as primeiras chuvas, árvores, cactos e arbustos, tudo reverdece. O solo descansado, tendo água na sua superfície, em combinação com forte luminosidade, a tudo dá vida, e nisso o verde enche os olhos, promovendo o rebrotar.

Autor: José Maria Cavalcanti

HOMENAGEM A LUIZ GONZAGA – O REI DO BAIÃO

GONZAGUINHA – DA REBELDIA AO CORAÇÃO

Ele poderia viver à sombra gigantesca do pai, mas demonstrou sua personalidade forte ao trilhar seu próprio caminho e assim ocupou um lugar entre as grandes estrelas da MPB.

Começou nos festivais de música dos anos 60, compondo músicas de protesto. Somente em 1973 conseguiu gravar seu primeiro disco pela EMI-Odeon, ainda compondo temas contundentes e irônicos.

A contar de 1982, com o álbum “Caminhos do Coração”, ele ficou mais leve, deixando ceder sua entranhada militância social para dar lugar às coisas do coração. A música “O que é, o que é” passou a ser o carro-chefe do seu repertório, abrindo um espaço maior para sua consagração entre seu fãs.

Com letras que tocam a alma feminina, Gonzaguinha em vida foi presenteado com grandes interpretações das melhores cantoras de nossa música. Ele humildemente sempre se considerou como um bom intérprete de suas composições e não um cantor.

Cantora Simone

Sangrando

Gonzaguinha

Composição: Gonzaguinha

Quando eu soltar a minha voz
Por favor entenda
Que palavra por palavra
Eis aqui uma pessoa se entregando

Coração na boca
Peito aberto
Vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida
Que eu estou cantando

Quando eu abrir minha garganta
Essa força tanta
Tudo que você ouvir
Esteja certa
Que estarei vivendo

Veja o brilho dos meus olhos
E o tremor nas minhas mãos
E o meu corpo tão suado
Transbordando toda a raça e emoção

E se eu chorar
E o sal molhar o meu sorriso
Não se espante, cante
Que o teu canto é a minha força
Pra cantar

Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
É apenas o meu jeito de viver
O que é amar

Análise da música

É certo que com o silêncio é possível se comunicar, mas sem dúvida soltar a voz ainda é a mais poderosa ferramenta de expressão de que se vale todo ser humano, ainda mais quando se está enamorado. Sempre será a melhor maneira de dizer o que se sente na alma, com toda a força do verbo.

Existe o velho ditado que diz: “A boca fala daquilo que o coração está cheio”. Isto é a mais pura verdade. Quando expressamos nossos pensamentos, estamos na verdade nos entregando, compartilhando com quem ouve nossos sentimentos mais íntimos.

A verbalização do que se passa na nossa cabeça é mais intensa por meio da voz. É com ela que se toca o coração de quem se ama; do mesmo modo, ela é também muito eficaz como elemento do discurso para falar de nossas lutas e para incitar uma multidão.

Às vezes tais emoções são tão fortes que são capazes de nos fazer sangrar.

Para se ter ideia dessa força que dispomos, quando uma oração é elevada com a suprema fé, do corpo da pessoa pode verter gotas de sangue pelos poros. Todos conhecem os efeitos do poder da palavra quando abrimos nossa boca para interceder a Deus. Se com pensamentos positivos já transformamos tudo a nossa volta, com o poder da palavra mobilizamos todo o Universo para que nossos desejos se realizem.

Não importando a forma de externar o que se sente, sabemos que essa força grande não pode ser contida no frágil corpo, vindo inevitavelmente a transbordar sob a forma de discursos falados ou musicados.

Melhor ainda se esse gritar do coração puder ser musical. É um recurso a mais a tocar as sensações do outro. Ninguém resistirá à intensidade desse assédio sentimental: palavra, canto e a música, tudo a serviço do amor!

Sabemos que quando o mais belo dos sentimentos nasce dentro da gente, ele é minúsculo. Aos pouquinhos ele vai crescendo e permeando cada célula do nosso corpo, até não podermos mais represá-lo. E fica tão grande a ponto de causar o intenso brilho no olhar, fulgor intenso na pele da face, iluminando mais e mais o rosto de quem está embriagado de amor.

O sentimento aflora, diante da força incontrolável dessa corrente. E tudo salta de dentro de você, numa explosão inevitável.

Depois o que se sente é uma sensação de alívio, expressa no sorriso molhado do sal das lágrimas.

É tremendo sentir tão intensamente a ponto de suar sangue e chorar para lavar as faces, inundando a indisfarçável alegria.

Pode até causar espanto, mas é apenas o jeito que alguns amantes têm de se expressar. Gritar o amor por meio do seu canto.

Diante do verdadeiro amor, os amantes se rendem. E quem resiste a uma declaração de amor, falada e cantada aos quatro cantos, numa explosão de emoção tão forte que provoca suor, sangue e choro.

Autoria de José Maria Cavalcanti

Notícia da morte com retrospecto da carreira do ídolo.

AQUARELA

 

Letra de Vinícius de Moraes

Música de Antônio Carlos Pecci (Toquinho)

Acho que se as letras do livro de poesia do Vinicius, Arca de Noé, não tivessem sido musicadas por Toquinho, elas fariam parte de apenas mais um bom livro voltado para as crianças.

Estimulado pelo parceiro poeta, Toquinho criou verdadeiras pérolas musicais que há muitos anos vêm embalando gerações.

Uma das que mais me impressiona é esta. A letra é impecável e a música perfeita. É uma obra-prima, saída da genialidade desse músico incrível.

Com a péssima qualidade de muitas músicas do cenário musical brasileiro, o acervo de Arca de Noé e Arca de Noé II é um verdadeiro presente para os educadores, que realizam com este material trabalhos psicopedagógicos maravilhosos com o público infantil.

Com tantas crianças vivendo em cenários cruéis e de muita miséria, a linda letra e bela música fazem com que elas possam sonhar, imaginar e esquecer um pouco dos seus ais.

Até hoje, Aquarela resgata em muitos adultos a criança que está em cada um de nós.

Aquarela foi gravada em Italiano e em Espanhol, fazendo também muito sucesso nos dois países e em tantos outros países que falam esses idiomas.

Aos 23 anos, Toquinho já acompanhava Chico Buarque nos seus shows pela Itália. Em 1970, compôs com Jorge Benjor o sucesso “Que Maravilha” e, no mesmo ano, segue com Vinícius para Buenos Aires, começando uma parceria que durou muitos anos, resultando daí 120 canções, 25 discos e mais de mil espetáculos. Aquarela é um grande destaque desta famosa dupla.

 

Análise da Letra da Música

Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo…

Não precisa ser uma folha especial, papel de seda ou algo do tipo. Pode ser papel de pão, num papelão ou mesmo no piso do chão. Qualquer lugar é perfeito para se desenhar. Já no primeiro verso, o poeta não dita normas, mas dá liberdade de expressão às crianças.

Quem nunca desenhou um sol amarelo, motivado pela letra desta música ou que não tenha feito um castelo com alguns pares de retas. É mais fácil que construir as fortalezas medievais com a areia da praia.

A letra e a melodia de Aquarela nos fazem viajar para dias ensolarados e bonitos, como daqueles vistos nas belas histórias infantis de Charles Dickens, Irmãos Grimm, Andersen, Charles Perrault, Carroll, entre outros.

Corro o lápis em torno
Da mão e me dou uma luva
E se faço chover

Com dois riscos
Tenho um guarda-chuva…

Como num passe de mágica, contornando os dedos da mão com o lápis, surge fácil uma perfeita luva. E o poeta vai brincando e fazendo imaginar quão gostoso é se perder nesse universo infantil, no mundo de faz de conta.

Muitas atividades escolares são realizadas a partir desta letra e música. Usando lápis, giz colorido ou tintas, as crianças se divertem e dão asas para a criatividade.

Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho
Azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota
A voar no céu…

E, se de repente, algo de errado possa acontecer, não tem problema, transforma-se o pequeno descuido num lindo pássaro a voar no céu. Como um artista, dando formas inesperadas na sua tela. Talvez seja o poeta a instigar nas crianças o surgimento de novos Monet, Renoir, Picasso ou um Di Cavalcanti.



Vai voando
Contornando a imensa
Curva Norte e Sul
Vou com ela
Viajando Havaí
Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela
Branco navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul…

Neste mundo de ficção não há limite de tempo ou de espaço. A grande linha do Equador é como um tobogã gigante a nos levar de um lado a outro do globo em fração de segundo. Escorregando ou navegando num barco branco entre o céu e o mar, tudo é mágico, como um beijo azul  – o tocar das duas lindas superfícies imensas, a celestial e a marítima.



Entre as nuvens
Vem surgindo um lindo
Avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar…

O sonho de voar está em toda criança. Quem ainda não sonhou estar voando, sendo pássaro ou mesmo como passageiro de um avião a cortar as nuvens, que nos parecem flocos de algodão, com todas suas luzes a piscar. Lá de cima, tudo se faz mais lindo, como o primeiro astronauta a contemplar a terra, aquela imensa bola azul.



Basta imaginar e ele está
Partindo, sereno e lindo
Se a gente quiser
Ele vai pousar…

Fingindo ser o piloto da aeronave, você vai para onde quiser e pousa quando achar que é hora. Principalmente quando o céu é de brigadeiro, “sereno e lindo”, fica mais perfeito ainda.

Numa folha qualquer
Eu desenho um navio
De partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida…

A vida é feita de partidas e chegadas, por isso, devemos aproveitar ao máximo viver de bem com todos, estar bem coladinho aos amigos, comemorando sempre.

 
De uma América a outra
Eu consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo…

Como Alice, entrando na toca do coelho, um espécie de mecanismo de fuga da realidade, descobrindo outro mundo: O País das Maravilhas. Num piscar de olhos, tudo em volta, você pode transformar, com um simples giro de compasso.

Um menino caminha
E caminhando chega no muro
E ali logo em frente
A esperar pela gente
O futuro está…

O poeta quer levar, na figura do menino, as crianças ao futuro, carregadas pela imaginação. Não presa a regras ou metodologias cansativas, de forma colorida e engraçada, cheia de alegria. Também nos mostra que na vida há obstáculos, os “muros”, mas que, com criatividade, podemos ultrapassá-los.

E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença
Muda a nossa vida
E depois convida
A rir ou chorar…

Às vezes queremos determinar o futuro de nossos filhos, como eles devem ser e aquilo que devem fazer. Planejamos tudo, e o que acontece é que pouco sai como a gente quer. A frustração (o descolorirá) é grande, levando muitos pais a chorar ou, quando algo dá certo, é motivo de riso. Esquecemos que cada uma é uma individualidade, com personalidade própria, tendo um novo a ser trilhado, sem interferências.

Esse futuro é como uma “linda passarela” que vai se abrindo, conduzindo-nos pela mão, bastando ter sensibilidade para dar cada passo no rumo certo.

Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos
Numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá…

Autor José Maria Cavalcanti

 

AMOR DE ÍNDIO – UMA TRADUÇÃO

 Beto Guedes e Ronaldo Bastos

Tudo que move é sagrado E remove as montanhas Com todo o cuidado Meu amor Enquanto a chama arder Todo dia te ver passar Tudo viver a teu lado Com arco da promessa Do azul pintado Pra durar Abelha fazendo o mel Vale o tempo que não voou A estrela caiu do céu O pedido que se pensou O destino que se cumpriu De sentir seu calor E ser todo Todo dia é de viver Para ser o que for E ser tudo Sim, todo amor é sagrado E o fruto do trabalho É mais que sagrado Meu amor A massa que faz o pão Vale a luz do teu suor Lembra que o sono é sagrado E alimenta de horizontes O tempo acordado de viver No inverno te proteger No verão sair pra pescar No outono te conhecer Primavera poder gostar No estio me derreter Pra na chuva dançar e andar junto O destino que se cumpriu De sentir seu calor e ser tudo Sim, todo amor é sagrado.

ANÁLISE DA LETRA DA MÚSICA

Tudo que move é sagrado/E remove as montanhas/Com todo o cuidado/Meu amor

Para captar melhor o sentimento dos autores desta belíssima canção, necessitamos mergulhar na mente de um índio.

Não só o ar, a água, o fogo que arde, também as montanhas e os animais, tudo é sagrado para ele.

No seu pensar, existe uma força maior que tudo rege e sustenta com sua força em perfeita harmonia.

O índio respeita tanto esse equilíbrio da natureza que até mesmo para subtrair um item, no intuito de saciar a própria fome, pede permissão para o espírito da floresta, antes de abater um peixe ou um animalzinho. Tirar uma vida só se for para suprir sua necessidade mais vital. Ao contrário do homem branco, ele procura preservar todas as coisas, não produzindo lixo, poluindo ou alterando o meio ambiente.

Enquanto a chama arder/Todo dia te ver passar/Tudo viver a teu lado/Com arco da promessa/Do azul pintado/Pra durar

E esse amor entre eles é eterno, enquanto a chama da vida arder no interior de cada um deles. Muitas são as histórias de casais indígenas em que o homem prefere morrer junto à esposa a viver sem ela. Se estava escrito na constelação aquele enlace, deveriam viver juntos sempre e partir também acompanhados um ao outro.

O arco é para o índio sua defesa contra as feras bravias com as quais se defronta. O arco da promessa é uma referência ao arco-íris, que colore o horizonte azul, como o símbolo da promessa duradoura que Deus fez com os homens.

Abelha fazendo o mel/Vale o tempo que não voou/A estrela caiu do céu/O pedido que se pensou/O destino que se cumpriu/De sentir seu calor/E ser todo

Neste exato momento, está ocorrendo um fenômeno mundial: o desaparecimento das abelhas (vejam mais sobre este assunto no link abaixo). Pouco a pouco, elas estão sumindo por conta dos agrotóxicos e outros fatores climáticos. Caso isso venha a ocorrer por completo, será iniciado um ciclo catastrófico para a humanidade. A abelha é tão importante que: “Se não existisse o homem no planeta, nada mudaria. Faltando as abelhas, sem a polinização, seriam extintas a flora e a fauna, não haveria florestas, lagos e rios. A terra seria um deserto”.

Por saber o valor do mel e toda sua utilidade para a saúde, tanto os índios como as civilizações antigas as consideravam sagradas e em alguns países eram vistas como símbolo de riqueza.

http://www.youtube.com/watch?v=yMw7airNWA4

Nos meses mais frios, o céu fica limpíssimo, e a vista do teto celeste noturno é espetacular. Contemplar o firmamento, enquanto se namora, talvez seja um dos momentos mais românticos que exista. Assim como todos nós, os índios também têm o hábito de fazer um pedido quando um estrela risca o céu.

Quando se faz um pedido com fé, tudo se realiza, como nosso destino, principalmente porque são duas mentes irmanadas e focadas no mesmo alvo.

E nada mais gostoso que estar no calor da pessoa amada. O tempo e tudo mais para, nada mais importa. Apenas queremos viver aquele momento único, todo inclusivo.

Todo dia é de viver/Para ser o que for/E ser tudo

Segundo as próprias palavras do Beto Guedes: “Todo dia é de viver/Para ser o que for/E ser tudo” estes versos expressavam o lado primitivo e puro que ainda havia em cada uma das pessoas, como um canto de louvor à vida”.

Sim, todo amor é sagrado/E o fruto do trabalho/É mais que sagrado/Meu amor/A massa que faz o pão/Vale a luz do teu suor

O amor é o sentimento mais lindo. Por amor é que realizamos tudo. Se não fosse o amor, seríamos apenas matéria.

Deus é o próprio amor, e Ele é que nos colocou no paraíso, com tudo disponível para vivermos.

O índio nos ensina até hoje que não é preciso muito para vivermos.

Mas na nossa ânsia de querer mais, fomos expulsos do jardim de Deus, passando a viver do suor do próprio trabalho.

Lembra que o sono é sagrado/E alimenta de horizontes/O tempo acordado de viver

Poucos sabem o valor de se dormir bem. É tão essencial que, além de descansar o corpo e a mente, faz com que a pessoa pense melhor e também emagreça. Quando dormimos bem, estamos contribuindo para previnir o aparecimento de doenças, além de promover o rejuvenescimento. Na correria que exige nossas atividades diárias,  é muito difícil descansar. Com isso, o estresse logo se instala. Por isso, devemos estar ariscos e reservar nosso horário para garantir uma boa noite de sono. Tomando cuidado com o ambiente da dormida, podemos alcançar o objetivo com seis horas de sono profundo, que podem ser mais eficientes do que oito horas de sono mais leve. Também não vamos exagerar, pois dormir mais que o necessário não é bom e pode ser prejudicial. Quando dormimos bem, “alimentamos de horizontes o tempo acordado de viver”.

No inverno te proteger/No verão sair pra pescar/No outono te conhecer/Primavera poder gostar/No estio me derreter/Pra na chuva dançar e andar junto

Para quem vive constantemente em contato com a natureza, cada mudança climática é percebida. Os índios e as pessoas mais sensíveis observam melhor as estações e podem senti-las em toda plenitude.

Por isso é que os quatro períodos climáticos são vividos de forma especial pelos amantes.

Quem ama quer estar agarradinho, principalmente com as temperaturas mais frias do inverno. Já o clima mais quente do verão é um convite pra sair do aconchego. Parece que o sol nos reenergiza, e é tempo de correr, de pular e de pescar. No outono, as noites são mais longas que o dia e são apropriadas para um “conhecer” melhor o outro. Aqui as temperaturas voltam a cair, assim como as folhas, e é tempo da colheita em muitas partes do mundo. Quando chega a primavera, inicia-se um novo ciclo. Tudo se enche de cores, como se a natureza fizesse festa.

Festa maior faz o índio quando as chuvas chegam. Eles até têm a dança da chuva, quando ela tarda para chegar. Quem mora nas cidades, na selva de concreto, não dá muito valor a este bem indispensável à natureza.

O destino que se cumpriu/De sentir seu calor e ser tudo/Sim, todo amor é sagrado

O amor entre os indígenas é tão puro e sublime que é determinado pelo encontro ocorrido entre eles desde o nascimento, segundo a configuração das estrelas no firmamento, no exato momento em que vieram a existir, como homem e mulher. Eles já crescem sabendo dessa predestinação e se enamoram, e se casam, e são felizes para sempre.

Para eles, o amor é sagrado.

Autor José Maria Cavalcanti

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