BATACLAN
PASSAGEM AO PARAÍSO
Era domingo de missa, e o Padre Pio já havia recomendado para dona Iracema, esposa do Coronel Serapião, que a homilia da semana santa seria especial, estando assim certo de casa cheia. O sacerdote confiava na divulgação de sua beata mais devota, que se encarregava de levar o recado dele para as amigas no chá da tarde das senhoras, que ocorria sempre aos sábados à tarde.
Serapião estava muito feliz naquele final de semana, pois festejava com os amigos fazendeiros a subida da cotação do preço do cacau. Aquilo garantia grandes vendas do produto, significando mais crescimento e diversão na cidade de Ilhéus. Toda subida da bolsa era comemorada no Vesúvio, o bar bem frequentado pelos clientes mais abastados da região. O local ficava do outro lado da praça, diante da igreja matriz, para desgosto do padre, que já havia se acostumado com aquela prática de os homens deixarem suas mulheres para a missa, ficando enchendo a cara naquele lugar que não era a casa de Deus.
Na entrada do templo, o pároco dava as boas-vindas aos casais, que via entristecido o marido beijar a mão da esposa, após deixá-la acomodada em um dos bancos das primeiras filas. Obedientes, elas se cobriam com véu e logo se ajoelhavam numa espécie de ritual de purificação. Sabiam que em pouco tempo, após os cânticos, a preleção daquela noite iria ter início. Ali se desligavam do mundo, para dar atenção ao conhecido sermão do Padre Pio, o mais comprido de todos. Elas compreendiam as desculpas dos maridos, que tinham todo o direito de colocar a prosa em dia com os amigos no Vesúvio. Afinal o local ficava a menos de cem metros, bem pertinho, quase sob vigilância delas.
Após o louvor, o padre pediu a uma serva para fazer a leitura do Velho Testamento, dando ênfase a alguns capítulos que falavam da libertação do povo de Israel, que havia estado escravizado no Egito. O sacerdote começou a discorrer sua belíssima preleção que iria fazer com que a missa tardasse mais que o costume, pois ele preparou um discurso que comparava o mundo atual com a terra dos faraós, onde os israelitas estavam tão apegados que alguns, na fuga pelo Sinai, sentiam saudades, mesmo sendo salvos pela divina mão poderosa, usando Moisés como instrumento para levá-los através do deserto até a Terra Santa.
Do outro lado da rua, os fazendeiros, após os cumprimentos e depois de saborear os primeiros tragos, dirigiam-se para os fundos do bar numa euforia indescritível. Passada mais de uma hora, eles reapareciam mais felizes que nunca, e tornavam ao balcão para falar de suas proezas e virilidade.
Cícero, sempre muito atencioso e simpático, figurava para todos como proprietário do Vesúvio, o que na verdade era apenas uma fachada, pois o charmoso bar era posse de Serapião e mais dois sócios. A razão disso era que eles não queriam ver seus nomes envolvidos com um ramo que vendia cachaça, por isso tudo se mantinha às escuras da população local.
Acabada a missa, depois de duas horas de pregação, as badaladas fortes do sino da igreja indicavam o término da cerimônia. Aquele era o sinal do padre para que os maridos viessem apanhar suas esposas nas escadarias após a porta da igreja. Via-se claramente a alegria do Padre Pio, que estava radiante por ter levado a palavra a seus devotos, percebendo a eficácia do seu sermão. Todos apertavam suas mãos e outros até beijavam, agradecendo a ele pela noite inspirada.
Após a missa, era comum ver o desfile das belas roupas das madames, agora com seus maridos, pelo passeio da praça. Ali todos se cumprimentavam e se exibiam como se fosse uma passarela da alta moda de Paris.
O que ainda nenhuma esposa suspeitou até hoje é que sempre houve uma passagem secreta do Vesúvio até o Bataclan, um bordel de luxo que ficava na rua dos fundos do largo da matriz, onde os coronéis escolhiam sua acompanhante mais bonita, francesa ou holandesa, para viver uma hora de luxúria e prazer. Ali deixavam muito dinheiro, mas diziam ser a fortuna mais bem paga do mundo, pois as meninas eram lindíssimas, escolhidas rigorosamente por Madame Mimi, a proprietária da casa.
Na segunda-feira, sem falta, Serapião já se apressava para deixar as gordas ofertas dele e de seus amigos para o Padre Pio. De tão agradecido, ele se aprimorava cada vez mais em preleções compridas e um repicar de sino mais forte para selar aquele feliz acordo de cavalheiros.
Autor José Maria Cavalcanti
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É com o livre arbítrio que cada um escolhe o seu caminho. Mas, o divertido texto mostra o quanto a expressão “o importante é ser feliz”, encobre nossos deslizes. Maridos e mulheres, alegres, seguem de volta para casa, após uma noite de dedicação profana e religiosa, respectivamente. E tudo contribuía para manter, comercialmente, tudo funcionando a contento.
O texto remete aos escritos de Jorge Amado. Houve uma época em que toda cidade tinha, pelo menos, um cabaré. O surgimento dos motéis desestimulou os investimentos nesse ramo comercial. Em Natal, o cabaré de Maria Boa, era muito conceituado, não só por ter em seu plantel belas mulheres, mas por manter um quadro com o acompanhamento médico, semanal, de suas raparigas. Época em que para se ter a garantia da prática sexual, só frequentando esses lugares.
Interesante como siempre los textos, incluyendo las formas correctas de la ortografía, y las fotos siempre memorables. Me gustó muchísimo la arquitectura y colores de los templos. Un gran abrazo, y siempre firme adelante.
Que foto linda! Por um relance pensei que fosse de Paris..kkk… Brincadeirinha. Linda, linda.
Durante a leitura confesso que por um momento desejei que o sino da igreja não desse as badaladas ao final da missa. Ah! Isso seria um marco talvez para aquele povoado…kkk…
Já imaginou?!
E o Padre entristecido por saber que as esposas eram deixadas à porta da igreja e lá se iniciava mais um momento de prazer aos maridos, porém, a oferta no dia seguinte viria à igreja.
“Esperar que a vida lhe trate bem porque você é uma boa pessoa é como esperar que um touro não te ataque porque é vegetariano.” Uiii…!
Há dentro de todos nós essa necessidade de ter em algum lugar nosso jardim secreto, não onde vamos confinar nossos segredos, mas onde podemos ter um encontro real e exclusivo conosco
Belo texto que me trouxe a lembrança a minissérie Gabriela, que mostra o Bataclãn e que foi muito bem montado com ricos detalhes da época.
Enquanto as esposas rezam por suas famílias, os maridos fingem estar “conversando” no Vesúvio.
Linda foto de Ilhéus, tive o prazer de conhecer essa bela cidade.