Amigo Secreto Surpresa
SUPRESA DE AMIGO SECRETO
1998 estava terminando, e o Natal havia chegado com seu aconchegante clima festivo. A ceia fora organizada com muito capricho, faltando chegar ao centro da mesa o prato principal: a leitoa assada. Como já estava previsto, haveria antes da ceia a troca de presentes do “amigo secreto”.
Na hora marcada, todos foram se achegando, e surgiu uma novidade.
Dona Francisquinha, a dona da casa e da festa, solicitou a Lena que retardasse um pouco mais o amigo secreto porque a leitoa ainda iria tardar um pouco.
Para atender sua mãe e conhecendo a fama de alguns cantores de banheiro, dentre todos os familiares, Lena propôs uma dinâmica de grupo focada nessa peculiaridade. De pronto, todos aceitaram porque pareceu ser algo divertido. A brincadeira consistia em sortear uma palavra de dentro de um gorro vermelho, antes de anunciar o nome do amigo. Cada um teria que cantar uma música que tivesse na letra o verbete sorteado. Caso ele não cumprisse o desafio, sua vez seria passada para outro e assim por diante.
Ficou acordado que os primeiros seriam as filhas de Dona Fran, da mais velha até a mais nova; e depois seriam os homens, seguindo o mesmo critério. Os genros, as noras e os netos ficariam para o final.
Depois de uma hora curtindo a gostosa e nova brincadeira, só faltava o mais novo dos homens.
João foi chamado, conforme a ordem estabelecida. Todo sorridente e faceiro, tirou sua palavra “BENZINHO”.
Para manter o elevado nível das músicas já cantadas, logo recordou-se de uma música da Jovem Guarda, regravada pelo grupo Raça Negra, mas não se lembrava do ritmo. Então veio-lhe à mente um forró chamado Casa de Reboco. E não perdeu tempo, dando sequência à diversão, uma espécie de karaoquê musical:
“Todo tempo para mim é pouco/ Pra dançar com meu benzinho numa casa de reboco”
Não só cantou bem, mas também estava muito ritmado, arrancando aplausos da galera reunida na grande sala da casa de Dona Francisquinha, que ali assista a tudo com uma enorme satisfação por ver a família reunida em festa. Ela, de vez em quando, lançava seu experiente olhar para o forno novo, que a fogo lento dourava o prato mais apreciado pelos familiares.
Antes de João anunciar seu amigo, ele começou a lançar no ar algumas dicas para criar mais suspense:
– Minha amiga é muito inteligente, mora numa cidade que se desenvolveu muito, graças a suas reservas de shellita, cidade que é conhecida carinhosamente como a “Flor Brejeira do Seridó”! – Ao falar isso, todos olharam para as filhas do doutor Lucena.
Quando João ia anunciar sua amiga secreta, gerou aquela expectativa, pois ele deixou no ar qual das duas filhas do Doutor Lucena seria a felizarda. A mais velha, uma mocinha de quinze anos, estava ansiosa, enquanto sua irmã, um ano mais nova, aguardava tranquilamente sua vez.
O doutor, que sempre se mostrou muito econômico, lembrou naquele instante que havia passado a tarde procurando ajudar sua filha mais nova na compra do presente do amigo dela. E como ele nunca foi de esbanjar suas reservas, tentava semear na jovem a filosofia de que o tipo de presente era o que menos importava. Dizia: “ – Filha, a intenção e a lembrança são as coisas mais marcantes na hora de presentear. Não compre nada caro, mas algo que seja útil. Por exemplo, se for homem, compre uma camisa simples, apropriado para o trabalho da pessoa e, se for mulher, dê um lenço de pescoço (como ele chamava o cachecol), pois pessoa fina e de bom gosto usa uma peça dessas, como essas grã-finas de capas de revistas.”
Ao terminar sua fala, sua filha retrucou:
“ – Mas, painho, essa pessoa é muito especial e quero dar algo inesquecível!”
“ – Filha, vá por mim, confie no que diz seu pai! O lema na hora de presentear é utilidade e praticidade. Nunca esqueça disso! Corra até o Hiperbompreço e escolha algo barato, assim você gasta pouco da sua mesada”.
Depois daquelas últimas palavras, ela percebeu qual o ponto nevrálgico da questão. A menina conhecia muito bem a fama do pai, um homem desacostumado a grandes sangrias de bolso.
Depois de mais algumas idas e vindas de ponderações entre pai e filha, a moça, à contragosto, cedeu à fala “convencedora” paterna e se despediu dele para fazer a compra, buscando sua última nota de dez, da sua pequena mesada.
Enquanto caminhava, tentava em vão se livrar daqueles conselhos, mas era inútil, as palavras repercutiam em sua mente: “Presente de amigo secreto tem que ser simples e barato, basta qualquer lembrançinha! Não leve em consideração o preço. O que vale é participar da brincadeira, ninguém quer saber o quanto você pagou. Compre uma camisa na faixa de R$ 9,90″.
Por tão fervorosos argumentos, a filha logo percebeu que o pai não estaria disposto a liberar um tostão a mais do seu bolso para ajudá-la na compra do presente.
Neste momento, João anunciou o nome da filha mais nova. A brincadeira do “Amigo Secreto” havia saído dos filhos da matriarca e agora passava para os genros, noras e netos. Enfim era a hora de ser quebrada aquela expectativa do doutor de saber quem seria o amigo secreto da filha.
Após receber um belo presente das mãos do tio, ela agradeceu e logo após tratou de retirar sua palavra do gorrinho. Tocou a ela o vocábulo “MENINO”.
No mesmo instante, sem tremer a voz, começou a cantar uma música do Roberto e Erasmo Carlos:
“Você meu amigo de fé, meu irmão camarada. Amigo de tantos caminhos e tantas jornadas. Cabeça de homem, mas um coração de menino…”.
À medida que ela foi cantando, foi se aproximando daquele senhor de quarenta e dois anos, que olhava pra ela com muita admiração. Era uma surpresa para ele que aquela menininha que ele acompanhara todo seu desenvolvimento soubesse cantar com tanta desenvoltura.
Ela olhou pra ele e, com os olhos rasos d’água, sorriu e cantou o último verso da música:
“- Não preciso nem dizer tudo isso que eu sinto, mas é muito bom saber que você é meu amigo.”
Ao terminar de cantar, estendeu para ele as mãos que continham o presente do amigo secreto dela.
O pai estava perplexo, completamente paralisado, e seus pensamentos foram interrompidos com as palavras da jovem:
– Paizão, você é meu amigo!
O pai, recordou de tudo que havia dito para a filha na parte da tarde e logo empalideceu, arrependido por tudo que havia falado, principalmente quando se recordou o que ela disse:
“- Mas, painho, esse meu amigo é muito especial e eu quero dar a ele algo inesquecível!”
Depois que a última música foi cantada e já não havia presentes do “amigo secreto” para serem distribuídos, deu-se finalmente a magnífica ceia. Tudo estava maravilhoso e, mesmo que todos quisessem elogiar cada prato pra dona Francisquinha, cada convidado arranjava sempre um tempinho, entre uma garfada e outra, para tirar uma onda com a cara do doutor Lucena, que até então ainda não havia se recuperado da grande surpresa causada por sua amiga secreta.
Autor José Maria Cavalcanti
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Muito engraçado e valeu como lição para esse pai mão de vaca.
Imagino a cara dele quando soube que o amigo secreto da filha era ele mesmo.
Puxa, legal mesmo, bela história de família!
Diná
Em minha família sempre se faz dinâmica nas festas do Natal. Ano passado, foi a vez da caixa de chocolate que rodava de mão em mão e quem ficasse com ela, depois que a música parasse, teria que realizar uma prenda. Houve um ano que os presentes podiam ser trocados, independente do desejo de haver reciprocidade na troca, entre os amigos secretos. Já houve sarau de poesias e muitas leituras de textos emotivos que relembravam o nascimento do menino Jesus. Todo ano é diferente e só perde de aproveitar a festa quem não comparece, pois todos saem felizes e cheios de presentes, pois o pessoal de minha família gosta de presentear e ser presenteado. Só tenho uma certeza para esse natal, a festa vai ser ótima na companhia das pessoas que mais devemos amar na vida: nossos familiares. Viva o feliz natal em família!
Muito bom!! Boas Festas Cava.. Abraços!
Amigo secreto me faz lembrar o tempo que trabalhei em banco em São Paulo, todo ano era feito um amigo secreto entre os amigos de trabalho.
Lembro-me de um que participei na casa da senhora em Paraíbuna e que foi muito divertido em um Natal.
Amigo secreto é sempre uma surpresa tão grande como a história relatada de pai e filha.
É sempre uma surpresa como o dia de ontem e o dia de amanhã!
Parabéns
Mario Carlos Fernandez.
kkkkk…e o melhor: a história foi verídica! uhauhauah
Imagino a cara do Jodi na hora que ele soube que ele era o amigo secreto da sua filha.
Acho a ideia do amigo secreto muito boa, pois facilita a compra de presentes, principalmente quando a familia é muito grande e porque une todos na espectativa de saber quem tirou quem.
Quem será que teve a ideia do “Amigo Secreto”?
A história ficou linda, ainda mais sabendo que é verídica.
Mas, afinal, o que ela deu de presente?????? kkkkkkkkkkk…. Muito boa a história, Cava, como sempre. Grande abraço
Bela história com final engraçado. Na troca de presentes do amigo secreto sempre rola lances interessantes.
Éder
Amigo secreto, uma outra linda maneira de conmemorar a amizade, bela história; mais eu também queria saber o que ela deu de presente. Parabéns e um abração a todos os amigos
Com certeza que a pequena, na tarde do Natal e como pouco dinheiro, não poderia comprar algo além daquilo que a “última nota de dez” pudesse adquirir. Bela lição para o doutor Lucena, que foi a própria vítima da sua “convencedora” filosofia.
Esse certamente é o mesmo do “Ferro Tupy”, não? (risos).
O tempo e a situação não mudam as pessoas.
Vida longa para seu Nonô (Amor com amor se paga – 1984).
Ana
Olá Cavalcanti, li este texto. Gostei muito. Foi surpreendente!
Gisele
Estupendo esta história.
Ai Cavalcanti, você consegue mesmo uma melhor que a outra. Arrasouuuuuuuuuuuuuu…!
Adorei as dicas porque nesta história você conseguiu nos atingir com várias mensagens de reflexão.
Uma é por nos dar dicas do que comprar. Amo lenço de paixão!! A dica é boa. Rs
Segunda que vocês com esta brincadeira faz a noite de ceia muito mais animada e gostosa. Nossa! Você me fez recordar quando cantávamos em casa de mamãe . Que gostoso hein?!
Terceiro porque de fato a emoção que temos e queremos demonstrar ao amigo é tão grande que acabamos esquecendo muitas vezes que poderia ser um presente prático e barato.Porque queremos muito, muito impressionar quem amamos e temos carinho.
Assim sinto-me quando desejo presentear você e a Marta. Casal 20 merece toda demonstração de carinho e afeto. São de nossa família. Nunca esqueçam disto.
D Francisquinha! Perdoe mas roubamos um pouquinho seu filho e nora pra gente também…kkk…Ainda vou conhecer essa fabulosa mulher que pôs no mundo um Homem de coração bom e sensível como Cavalcanti. Obrigada por nos dar ele nesta vida.
Quando se ama não tem presente que consiga caber todo afeto, mas a gente se esforça.
Um bom Natal a todos vocês.
Bauces!
Li
Como também morei no Rio de Janeiro, lá a brincadeira do Amigo Secreto é chamada de Amigo Oculto. Sei essa troca gostosa de presentes entre amigos e familiares recebe outros nomes, dependendo da localidade.
Li que essa tradição aumentou nos EUA com a depressão de 1929 com sua consequente crise financeira.
Foi a maneira encontrada para que todos saíssem do encontro festivo com um presente na mão.
A brincadeira ocorre da seguinte forma: cada participante tira um papel com o nome de outro participante, e não deve contar a ninguém quem é.
No dia da brincadeira, através de dicas, os outros tentam adivinhar, quem é. Quando isso ocorre, há troca de presentes. Quem recebe o presente é o próximo que dá as dicas, e assim sucessivamente.
Minha família não é tão grande, mas faz um barulho danado nas festividades em que todos estão reunidos. Me esforço para presentear os sobrinhos mais novos, contudo fico triste em ver a cara de pidão dos que já estão bem crescidos. É como se eles esperassem que esse gesto de carinho se perpetuasse. O amigo secreto faz com que a entrega dos presentes seja mais calorosa e animada com os comentários surpreendentes de cada participante. Certo natal, resolvi comprar presentes para todos e na hora da festa, por sorteio, foi escolhido o amigo secreto. Cada um pegava o presente do amigo sorteado e tinha que produzir uma mensagem de improviso. Foi muito legal, pois era um gaguejado danado de bom de se ouvir. Afinal, família é isso: muita gozação. Feliz natal para todos.
Oi! quem vos escreve é o própio! doutor Lucena. Esta história foi um acontecimento verídico. Todos querem saber qual foi o presente que recebi da minha filha caçula. O presente eu já conhecia, pois fui eu quem a orientei na compra. Só não espereva que eu seria o felizardo. Não que ela tivesse somente R$ 10,00 para comprar o presente. Ela queria mesmo era dar um bom presente para seu amigo, porém eu com minha expereiência de vida, a orientei para comprar algo singelo e que não passasse desta faixa de preço. O paizão conseguiu convencer a filha na compra do presente e saiu feliz da vida por ter gastado pouco dinheiro. Foi ao Walmart e comprou uma bela camisa social mista listrada de mangas compridas com pequenos botões e vez por outra, algumas linhas desfiadas, arrumada com alfinetes, gola montada com cartolina, dentro de uma linda caixa de papelão branco com frente de papel celofane, embasada por uma etiqueta onde se lia a marca escrita com letras garrafais: “SILK”
Chegou o grande momento da entrega dos presentes aos escolhidos amigos secretos, numa noite de Natal no ano de 1998. A filha do doutor Lucena foi convocada para descrever o perfil do seu amigo secreto e a medida que ela fazia a descrição, todos observaram que o doutor ia adquirindo uma palidez visível resultante de um constrangimento associado a uma decepçao que culminou com o anúncio onde ela dizia: Meu amigo secreto é meu querido PAIZÃO!!!
E o que fiz com o presente? Guardei para que no próximo ano o belo presente sirva para meu futuro amigo secreto. É mole?
O que mais me chamou atenção nesse texto foi a questão familiar. A pequena e carinhosa menina preocupada, desde cedo, em participar do evento festivo fazendo bonito, o pai presente, a irmã ansiosa e ela surpreendendo a todos com a bela voz. Vi um clima festivo, que deve reinar em toda festa natalina e todos se esforçando para tudo dar certo. Senti o cheiro da leitoa assada e a preocupação da matriarca em servi-la no ponto: crocante por fora e suculenta por dentro. Acho que o natal pode e deve ser comemorado de várias formas, mas em família é a forma que melhor se encaixa. Um belo e feliz, natal !!!!
Foi muito divertido mesmo! Depois esse se tornou o assunto mais engraçado da noite e, ainda, do melhor da festa: os comentários da festa, no dia seguinte. Esse ano não fizemos o sorteio do amigo secreto, mas iremos fazer muitas brincadeiras, com certeza. Desejo a todos uma feliz noite de Natal, que não esqueçam de convidar o aniversariante e um Ano Novo com muita paz, amor, dinheiro no bolso, saúde. A sequência fica a cargo de cada um.
Tio Zeca, foi com muita propriedade que vc conseguiu transmitir exatamente meu sentimento naquele momento. Me emocionei. Perfeito!
Lembro daquele dia como se fosse hoje. Eu querendo comprar algo muito especial, afinal era “muito bom saber que ele era meu amigo”. Eu pedia a ele que me ajudasse a comprar algo especial e ele insistia em comprar a camisa de 9,90 do Hiperbompreço. Ele chegou a me convencer de que seria aquele o melhor presente para dar a esse amigo tão especial. Para minha surpresa, sua palidez ao notar que o amigo era ele demonstrou que aquele, definitivamente, não era o presente que meu “amigo de tantos caminhos e tantas jornadas” queria receber.
Foi uma grande lição, mas acho que só pra mim, porque a camisa foi guardada para dar a outro, rsrsrs.
Eita, paizão, essa cabeça é de menino também…
Meu querido e saudoso primo, Zé Maria, gostei muito de vê-lo exercitando esse talento, mostrando-se e expondo-se intimamente diante do coletivo, exatamente do jeito que o conhecemos: de coração aberto, sempre manifestando, em gestos e palavras, esse seu apreço pelas pessoas e pela vida. Muito legal!
Grande e longo abraço!
Além disso, ficou muito engraçado tudo e o criativo jogo de palavras, aproveitando a música, para dar uma lição no pai.
Acho que a maior lição de tudo isso, foi o próprio pai quem recebeu… o conselho dele realmente é válido… mas diante da insistência da filha, poderia ter cedido uns tostões a mais.
Ótima inspiração…. Cava!!