Naldinho e Lurdinha
APÊ DOS SONHOS
Com o crescimento da violência urbana, até a pequena Campineiras se rendeu ao crescimento vertical. Era sabido que, em toda região do vale dos rios, casas eram mais vulneráveis que apartamentos.
Em função da procura, as ofertas aumentaram, pois parecia que todo mundo havia desistido de viver no conforto de uma casa alpendrada, com a beleza de um jardim com seus aromas adocicados, vindos de um pomar no recanto mais prazeroso do quintal.
Aproveitando o boom do crescimento imobiliário, Lurdinha e Naldinho desejavam um apartamento com uma maior área construída. Ter suíte, sala ampla e cozinha maior eram fatores que o casal acordava.
O empréstimo havia saído, e a questão era só decidir o local que iriam morar.
O que deveria ser uma decisão com base estratégica passou a ser um dilema na cabeça de Lurdinha.
Ela já havia descartado alguns apês bem interessantes. Ora ela alegava que nas imediações não havia supermercado ou uma vendinha; noutro momento dizia que uma padaria por perto era essencial; e, por último, descartou um excelente, justificando que a localização era muito longe do seu serviço, além disso, acrescentou que aquela área não era servida com transportes públicos.
– Lurdinha, mas quem aqui usa ônibus?
– Naldinho, sem o bondão, como minha secretária irá chegar até o bairro? Por acaso você irá tomar conta das tarefas domésticas, meu amor?
– Não se esqueça, Lurdinha, que lá pertinho está o parque da cidade e posso ir caminhando até o colégio onde dou minhas aulas de xadrez!
– Você só está pensando nas suas caminhadas e suas aulas, esquece que minha vida gira em torno do centro da cidade.
– E tem mais, lá perto está o barracão dos ensaios da Mocidade Campineira. Aquilo é barulho pro ano inteiro, quem aguenta!
– Verifiquei também, Naldinho, que no novo plano diretor da cidade está previsto passar por lá um anel viário, o que implica em muito barulho e fluxo de carros. Isto me desestimulou ainda mais.
– Por que não esperamos um pouco mais, Lu, e compramos um imóvel na planta, assim pagamos bem menos que os já prontos pra entrega. Ainda por cima, podemos optar pela área próxima ao shopping, que é mais valorizada.
– Naldinho, você já se esqueceu o que aconteceu com a Irene? Ela perdeu todas as suas economias ao investir numa construtora que faliu. Coitada! Tenho maior medão!
– Naldinho, por isso quero comprar um rapidinho e não fico mais um minuto no nosso prédio! Aquilo está um inferno! Depois que fizeram aquela churrasqueira bem debaixo do nosso nariz, quem suporta aquela fumaça passando cheiro pras roupas, fora os palavrões desses moleques malcriados, quando jogam truco ou quando se juntam para ver jogos do campeonato paulista.
– Pensei que o problema fosse só o aperto da vaga da garagem e a dificuldade para estacionar.
– Naldinho, chega uma hora que tudo incomoda. Já não aguento mais ver as mesmas caras no elevador, na piscina, nas reuniões. Quero uma vida nova, novas pessoas, tudo novo, nada de velharias.
– Nisso tudo concordo apenas naquilo que diz respeito às estruturas do prédio, ele tem mais de vinte anos e requer mais manutenção, encarecendo cada vez mais o valor do condomínio.
– Naldinho, você lembrou bem. Toda hora começa uma reforma, e vem logo a quebradeira. É poeira pra todo lado, e as contas sobem ao terceiro céu.
– Bem, Lu, vamos dormir que já é tarde. Amanhã seguimos na busca, ainda temos muitos imóveis disponíveis e atrativos.
Depois de muitas idas e vindas, entra e sai de apartamentos, finalmente Lurdinha se encantou com um nas proximidades do centro.
Lurdinha lembrou inclusive que este pegava o sol da tarde, o que deixava a casa mais aquecida nas noites frias.
Súper feliz por encontrar o apartamento que atendia a todas suas necessidades, Lurdinha não via a hora de assinar os papéis, juntamente com Naldinho.
O corretor estava com toda a papelada pronta, aguardando uma última visita do casal ao imóvel.
Ao saírem do elevador social, Naldinho deu de cara com a mulher lindíssima que saía do apartamento vizinho. Lurdinha, percebendo a maneira como o marido olhou para ela, foi logo agarrando seu homem pelo braço, tirando-o daquela paralisia.
– Oi, Naldinho! – Disse a mulher, com uma voz provocante, insinuando alguma intimidade.
– Naldinho, nunca viu, não, é?!
– Desculpe-me, Lu, é que ela é uma ex-aluna.
O corretor se apressou para informar.
– Esta é dona Leonor, que ficou viúva muito cedo, por causa de um acidente terrível que tirou a vida do seu marido. Ela será sua nova vizinha.
Aquela informação, por incrível que pareça, não ajudou em nada a venda do corretor.
Movida de um ato repentino, Lurdinha entrou novamente no apê começou a pôr defeito em tudo, chocando Naldinho e muito mais o vendedor.
Em seguida, catou sua bolsa e saiu fuzilando dali.
Para desespero de Naldinho, que estava vivendo dias de loucura, subindo e descendo escadas e elevadores, ele já desconfiava que a busca ao apê dos sonhos não havia acabado ali.
Aquela atitude de Lurdinha implicava em começar tudo de novo.
Restava apenas se desculpar com o corretor, que já considerava o negócio como favas contadas.
Olha, nada como viver numa casa, mas a violência urbana não permite mais este privilégio. O apartamento é mais seguro, mas é preciso abrir mão de muita coisa para se viver bem na vida de condomínios fechados ou mesmo em prédios isolados.
Você tem barulhos de todos os lados nas horas mais inconvenientes.
Aturar gente mal-educada e jovens malcriados é a prova de fogo.
Haja paciência.
Desde pequena vivi em casa e sempre achei uma delícia, muito mais espaço e com inúmeros privilégios. Com o tempo, indo morar em São José dos Campos, tive que optar por apartamento, principalmente por conta da segurança. Confesso que é bem complicado e que temos que abrir mão de muitas coisas que somente a segurança nos obriga a aguentar. Como diz o comentário acima, haja paciência para seguir na gaiola em que somos obrigados a viver.
Além da história engraçado do casal, fico a refletir nas vantagens e desvantagens de se morar em apartamento.
As vantagens que percebo no apartamento é a segurança, não tem área externa pra limpar, uma vista panorâmica para se apreciar e um help dos vizinhos numa emergência.
As desvantagens é não poder ter alguns bichinhos de estimação, condomínio todo mês pra pagar, incômodos de se viver parede com parede (se escuta de tudo) e não ter um quintal pra chamar a galera para um churrasco.
É uma pena, mas um dia todos nós viveremos pendurados, não tem como parar a verticalização.
Sandra
Mulheres e seu sexto sentido!! Uahsuahsuaus …
Estou rindo até agora!!
Apaga tudo … todos os planos do corretor e os papeis a assinarem… tudo de volta a estaca zero.
Mais visitas e … mais procura por que ali nesse apê a Lurdinha não mora nem de graça!! Nem eu moraria!!
kikikii…
Excelente texto…caríssimo autor…
Abçs fraternos… Parabéns pelo seu senso de humor…
OI PAI , PASSEI POR AQUI … MUITO ENGRAÇADA A HISTÓRIA !!!!
É sempre bom ler as divertidas histórias desse casal nota dez do bollog, tendo como enredo as cenas do cotidiano. Lembrei da propaganda das sandálias havaianas, na qual uma moça liga para o namorado e diz estar no ponto x e quando percebe que tem uma concorrente a seu lado liga novamente para o namorado dizendo que estava enganada e o ponto é y. Nos dois casos faz jus ao dito que diz que um homem prevenido vale por dois, mas uma mulher prevenida ganha da outra. Compreendo que cuidar de um apartamento é bem mais fácil do que uma casa, principalmente quando os filhos alçam voo e o casal se vê sozinho, mas também é abrir mão de um lugar como na canção: … onde posso levar meus amigos, meus discos, meus livros… plantar e colher a pimenta e o sal.
Coincido con todos los comentários, lamentablemente en estos tiempos, con certeza es más seguro un apartamento, más las comodidades y tranquilidad de una casa son incomparables. Parabéns pela história, y también coincido con tua filha Camilla.
Há “bons” anos atrás eu curti muito o Ultraje a rigor com sua música “Mas eu me mordo de ciúmes!”. Acho que a Lurdinha deve se lembrar bem disso em casa crise… (mesmo tentando ser “moderninha”).
E aproveitando para te dar parabéns pela história dessa dupla tão fofíssima, lembro do seu aniversário, tão próximo, e desejo desde já muita paz e felicidades e que um “caminhão” de novas ideias felizes inundem seu coração e se transformem em matérias que a gente lê, com tanto entusiasmo. O Bollog é um sucesso!
Que o Senhor Deus te abençoe muito, sempre!
Gisele, obrigadão pelo FELIZ ANIVERSÁRIO!
Espero também muito mais inspiração para escrever histórias interessantes.
Valeu por se fazer sempre presente no Bollog.
Tu estás mesmo adaptado ao modo de vida urbano do Vale do Paraíba, especificamente a cidade que você escolheu. Quanto ao conto, é como diz o ditado: “o que agrada aos olhos, faz bem ao espírito”.
Adorei o texto do casal. Dei muitas risadas com esse fato do cotidiano que mostra nossas inseguranças ao nos depararmos com o novo. Acho uma delícia morar em casa e não me vejo morando num apartamento. Mas ao pensarmos na segurança, lembrando do susto que tivemos recentemente, estando em viagem de férias, de uma tentativa de arrombamento em nossa casa, talvez acabe morando em um e tendo que enfrentar os mesmos dilemas vividos pelo casal.
Aproveito para desejar a você, Zeca, mais uma vez, muita saúde, amor e felicidade pela passagem de mais um ano de vida. Salve o Jorge!
Caro Naldinho, deixa a mulher procurar o imóvel só, quem sabe não encontra um viuvaço como vizinho e te livra desta e de tantas outras decisões que haveriam de serem tomadas juntos, quem sabe ela fique muda.
Dica:
Volte imediatamente no corretor e fecha negócio urgente com o apto antes que eu o faça.
Cavalcanti, estou contente, pois o Eloísio me deu um computador e agora eu consigo entrar em meu blog em minha casa, sei que você ajudou na escolha, muito abrigada por você existir! abraços Enilda
As cenas do cotidiano são bem mais divertidas na vida desse belo casal. O texto além de bem humorado retrata as dúvidas e indecisões comuns a todos os casais em momentos de mudanças. Belo texto.